Concentração, foco e disciplina: esses são fatores necessários para acertar o prato, seja ele de qualquer ângulo, altura ou velocidade. Além de tudo, requer prática e treinamento para que os tiros se tornem mais certeiros. Porém, antes de entrar em uma pedana — local onde os atiradores se posicionam para atirar — , há um longo caminho a percorrer para praticar a fossa olímpica, uma das modalidades do tiro esportivo disputada nos Jogos Olímpicos.
Antes de se tornarem atletas de alto rendimento na fossa olímpica, os bento-gonçalvenses Igor De Dea Mera, 18 anos, que vai disputar o Mundial Júnior, em setembro, e Ítalo Burnier, 15 anos, tiveram que reunir uma série de documentos para poderem utilizar uma arma para a prática do tiro esportivo. Ao lado dos seus pais e atletas, Ari Mera e Gerson Burnier, eles encararam o processo para a obtenção do alvará judicial para, então, serem liberados para praticar a modalidade. Hoje, ambos são promessas do esporte, somando participações em competições de nível estadual e nacional.
Os promissores atletas são treinados por Roberto Schmits, 52 anos, que já participou de competições em mais de 50 países e é medalhista de bronze no Panamericano de 2011, disputado em Guadalajara, no México, e de 2019, em Lima, no Peru. O experiente atleta, que hoje oferece clínicas de tiro esportivo por todo o país, também defendeu o Brasil nos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Jogos Olímpicos: um sonho a ser alcançado
A paixão pelo tiro esportivo perpassa gerações. Prova disso é a tradição repassada de pai para filho que fez com que Igor e Ítalo praticassem a modalidade olímpica. Além de praticantes, ambos os atletas já disputam competições com o objetivo de atingir o mais alto nível dentro da modalidade, sonhando em representar o Brasil em Jogos Olímpicos.
Igor, de 18 anos, se tornou um dos grandes atletas gaúchos de fossa olímpica. Após ter conquistado inúmeros resultados expressivos em competições estaduais e nacionais, o atleta alcançou um dos seus sonhos na modalidade: disputar uma competição mundial.
O jovem atleta de Bento Gonçalves atingiu o índice mundial com 118 acertos de 125 pratos, garantindo vaga para o campeonato Mundial Júnior de Fossa Olímpica, que ocorre no final do mês de setembro, em Lima, no Peru. “Depois de acabar a prova, a primeira coisa que pensei é que eu podia ter melhorado um ou dois pratinhos, mas depois vi que consegui um baita resultado. Fiquei muito feliz por ter conseguido chegar próximo dos grandes atletas e fiquei feliz por estar próximo do meu treinador em resultado”, ressalta o atleta.
Igor terminou a seletiva em primeiro lugar, somando as duas etapas, e vai defender o Brasil em seu primeiro campeonato mundial. “É indescritível a felicidade. Batalhar tanto para ser recompensado desta forma é muito bom. Sei que não é sempre que é possível, mas é muito bom alcançar a vaga logo na primeira tentativa”, destaca Igor.
Já Ítalo, de apenas 15 anos, iniciou no esporte no ano passado e, em 2021, disputou competições nacionais, participando também da seletiva para o Mundial Júnior. Apesar de não ter conquistado a vaga, a disputa valeu pela experiência adquirida: “Não esperava. Recebi a notícia que iria atirar na seletiva e fiquei muito faceiro por ser a minha primeira prova fora do Estado. É uma experiência bem diferente, o nervosismo é outro”, explica.
Roberto Schmits, treinador de ambos os atletas, afirma que no esporte, principalmente no tiro esportivo, tudo tem seu tempo. “Eu falo com eles sobre todos os assuntos e é na hora exata que vamos falar em sonhos olímpicos. Nada é por acaso. Exemplo disso é que levei 11 anos para conquistar a vaga para as Olimpíadas. Acredito que para eles, como outros jovens, isso virá mais rápido, pois hoje eles têm o grande apoio da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), e eles têm oportunidades de estarem mais próximos das informações. É natural que isso aconteça, mas é preciso dedicação, tempo, vontade e acreditar que é possível. Precisa ter sangue nos olhos”, pondera o experiente atleta.
Os atletas realizam os seus treinamentos no Clube de Caça e Pesca Santo Humberto, localizado no bairro Tamandaré, em Garibaldi. Com uma estrutura que contempla diversas modalidades do tiro esportivo, o clube é um dos palcos do Rio Grande do Sul que sedia anualmente etapas de competições estaduais. Nos últimos meses, o local recebeu uma etapa do Campeonato Gaúcho de Fossa Olímpica e de Percurso, reunindo competidores das mais diversas partes do Estado.
Segurança e disciplina
Ao permanecer na pedana de tiro esportivo, os cuidados são redobrados. Como qualquer outra modalidade olímpica, muitos valores podem ser ensinados através do esporte. Na fossa olímpica, a disciplina se destaca como principal fundamento. “Desde que Ítalo entrou, ele aumentou de forma expressiva o seu compromisso, a mentalidade, o foco e, sobretudo, a disciplina”, relata o atleta Gerson Burnier, pai de Ítalo.
Conforme o medalhista de bronze em panamericanos, o esporte agrega muitos ensinamentos aos jovens que nele ingressam. “Eu considero o tiro esportivo como o esporte no qual os ensinamentos estão acima da média. Valores de caráter, disciplina emocional, mind set, educação e humildade fazem a diferença. Vejo no Igor e no Ítalo tudo isso, eles são exemplos. Fico muito feliz em poder contribuir com eles e elogiar ainda mais as famílias deles, que acreditam no meu trabalho. Fazer parte da vida deles como treinador e amigo é muito bom”, pondera Roberto Schmits.
Por portar uma arma esportiva em mãos, os jovens são ensinados a ter extremo cuidado e responsabilidade para manuseá-la com segurança, sem oferecer riscos. “Você cria uma responsabilidade enorme. Você precisa ter uma disciplina fora de série, pois se trata de uma arma. São crianças, mas precisam ter uma responsabilidade como nós adultos”, pondera Gerson.
Junto aos jovens atletas, quando iniciam no esporte, há sempre pessoas capacitadas para instruí-los, sobretudo visando manter a segurança dos praticantes. As clínicas, como as que Roberto Schmits oferece, ensinam justamente os cuidados necessários ao manusear a arma em locais de prova.
Além disso, conforme Gerson, culturalmente os atletas são monitorados pelo colega ao lado na pedana. “Se você sair de uma posição para outra com a tua arma aberta, mas municiada, já te chamam a atenção, porque isso é proibido. É um esporte totalmente seguro, porém envolve o nome ‘arma’”, explica.
A inserção de jovens ao esporte: passo a passo
No Brasil, uma pessoa só pode comprar uma arma a partir dos 25 anos. Para jovens de 14 a 18 anos, como Igor e Ítalo, segundo Ari Mera, que também pratica a fossa olímpica, é necessário um alvará judicial.
Para adquirir o alvará judicial, é preciso uma série de documentos. “É necessário o atestado de matrícula no colégio e um laudo psicológico. O juiz também pede uma declaração do clube ao qual o pai ou o próprio adolescente está vinculado. Se o responsável já for um atirador é solicitada uma declaração da Federação na qual está filiado. Caso não for filiado, posteriormente ele terá que se filiar para comprar a arma para o seu filho(a). Além disso, é preciso toda a documentação dos responsáveis, do pai ou da mãe e do jovem”, explica Ari.
Caso o responsável não for filiado em nenhuma entidade federativa, ele terá que providenciar o Certificado de Registro (CR), documento obtido a partir de um cadastro junto ao Exército Brasileiro, o qual dá o direito de exercer atividades de caça, tiro esportivo ou de colecionador. Para pessoas entre 18 e 25 anos, o CR é provisório, ou seja, não é possível realizar a compra de armas nem as transportar sem a presença de um responsável.
“Para fazer o CR é preciso comprovar idoneidade, ou seja, apresentar certidões negativas de antecedentes criminais. Qualquer situação ou enrosco mínimo que tiver já impossibilita o processo. É necessário ainda comprovante de residência, comprovante de trabalho, laudo atestando capacidade técnica para manuseio de arma de fogo emitido por um instrutor capacitado da Polícia Federal, atestado de aptidão psicológica e declaração de filiação em clube de tiro”, relata Ari.
Com a guia para a compra de uma arma, é preciso a liberação de uma guia de trânsito por parte do Exército para poder transportá-la pelo território brasileiro para a disputa das competições. Os jovens atletas só poderão levá-la e utilizá-la com a presença do responsável e em locais autorizados pelo Comando do Exército, ou podem utilizar armamento cedido pela entidade ou agremiação de tiro.
Conforme Ari, normalmente o trabalho para reunir a documentação para adquirir o alvará judicial é feito por meio de despachantes.
Quanto custa para praticar a modalidade
Para praticar a fossa olímpica é necessário investimento. De acordo com Ari Mera, para adquirir o alvará judicial ou o Certificado de Registro (CR), o custo gira em torno de 1.3 mil reais. A mensalidade para a associação em um clube esportivo varia entre 200 reais e 400 reais. Conforme Gerson Burnier, uma arma básica para a prática da modalidade não custa menos que 6.5 mil reais.
Além disso, há os insumos básicos para a prática da modalidade, que são as munições e os pratos. De acordo com Ari, uma série de 25 pratos custa 25 reais, enquanto que uma caixa com 25 cartuchos custa 63,25 reais, ou seja, 2,53 reais cada munição. Portanto, para atirar em um prato — lembrando que é possível disparar duas vezes — o gasto é de 6,03 reais, com o valor do prato. No entanto, é possível praticar a modalidade disparando uma única vez, o que faz o custo baixar consideravelmente.
O que é a fossa olímpica
O esporte consiste em disparar, por meio de uma espingarda, sobre um número específico de pratos em forma de discos de 11 cm de diâmetro, feitos com base em betume e calcário. A pedana de fossa olímpica se divide em cinco posições. Em cada uma delas se encontram três máquinas lançadoras de pratos a 15m de distância enterradas em uma fossa.
As máquinas lançam os pratos variando em ângulo, de 45º para esquerda até 45º para direita, e em altura, consequentemente também variando em velocidade, apesar de o prato ser lançado inicialmente a 100 km/h. O atirador pode dar dois disparos por prato, sendo indiferente se quebrar no primeiro ou no segundo disparo. Normalmente, o primeiro disparo ocorre em 7 décimos de segundo e, o segundo, entre 9 e 10 décimos, o que exige um alto nível de reflexo.
Em Olimpíadas ou em campeonatos nacionais, em cada prova são lançados 125 pratos, em séries de 25 pratos. A pontuação final é a soma do número de pratos quebrados da final com os pontos da fase classificatória. O prato é classificado como bom quando se quebra um pedaço visível para o juiz. Caso o prato não se quebre é considerado prato perdido ou “zero”.
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