Em uma extensa carta aberta à comunidade e à imprensa divulgada nesta sexta-feira, dia 25, a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) reforçou o seu posicionamento contrário à implantação de grandes empreendimentos imobiliários no distrito. A entidade defende a mesma postura do Conselho Distital que, recentemente, manifestou parecer desfavorável aos projetos do Bewine Resort e do Complexo do Vinho.
O primeiro prometia trazer a Bento Gonçalves o maior parque temático do vinho no mundo, com uma adega vertical de 18 mil garrafas, jardim e restaurante suspensos, universidade do vinho, e muitas outras atrações, tudo em uma área de 60 mil metros quadrados que também contemplaria 421 apartamentos de luxo. O segundo – uma parceria da Salton com a Gramado Parks – reuniria quatro diferentes espaços: um Resort (Buonna Vita), um Refúgio (Hotel Horizontal e Cabanas), Mall (Centro Comercial, Gastronômico e de Entretenimento) e um Parque das Águas (Parque Aquático e SPA).
No texto, a Aprovale ressalta, a partir de análises técnicas e e estudos realizados por consultores, que "é imperioso respeitar a vocação rural do Vale dos Vinhedos e refrear o adensamento dos aglomerados, que rapidamente podem se transformar em urbanização desordenada". "No primeiro semestre de 2021, meio milhão de pessoas buscaram a paz rural do Vale dos Vinhedos. Em 2022, a expectativa é que que este número dobre. Ainda assim, o Vale dos Vinhedos, que hoje possui 336 unidades habitacionais (com 581 leitos) não apresenta ocupação média mensal em seus hotéis e pousadas superior a 50%, dado que existe uma grande diferença de procura entre os dias da semana e os finais de semana. Este quadro é típico do turismo rural, no qual se enquadra o enoturismo. Portanto, é falsa a premissa de que há “déficit de hospedagem” em nosso destino. Por este motivo, a Aprovale defende que o crescimento da oferta de hospedagem no Vale dos Vinhedos acompanhe a real demanda desta área rural", inicia o comunicado.
O material destaca ainda que "cada vez que um aglomerado se adensa, diminui a área que está (ou poderá ser) dedicada à atividade fim do Vale dos Vinhedos – o cultivo dos vinhedos e a produção de vinho de excelente qualidade, que projeta nossa região no Brasil e no exterior". Entre os riscos, coloca-se em xeque a própria Denominação de Origem conquistada pelos vinhos produzidos na localidade e que deve manter em equilíbrio os fatores humanos e naturais. “Quando se contrapõem as imagens da região da denominação de origem do Vale dos Vinhedos, nota-se claramente que áreas que 'deveriam' ser áreas de vinhedos já apresentam construções comerciais ou residências que seguem ao longo das vias públicas. Nota-se um relaxamento das municipalidades, que permitem empreendimentos imobiliários locais. Qual será o limite?” questiona o advogado consultor e membro da Aprovale Roner Fabris.
Multipropriedades
Outro argumento apresentado é o fato de os empreendimentos rejeitados não se caracterizarem exclusivamente como de hotelaria, e sim de incorporação imobiliária sob a modalidade de multipropriedades. "Trata-se de uma compra coletiva, em que cada comprador adquire uma escritura de parte da propriedade. Não existe limite de compra, é possível adquirir mais cotas (semanas) e, desse modo, conquistar o direito de passar um tempo maior (residir) no imóvel. Quem comprar a totalidade das cotas terá direito à escritura de propriedade integral do imóvel. Terá inclusive, o direito de nele residir, alugá-lo ou vendê-lo para outro morador. Portanto , na prática, trata-se de uma forma de facilitar a venda de imóveis. Mesmo que o empreendimento vista-se sob a roupagem de 'hotelaria', quem decide como cada unidade habitacional será usada é o proprietário da escritura do imóvel, de acordo com a quantidade de cotas que comprar e seu proveito pessoal", detalha o texto.
Nesse sentido, "os resorts são projetados em escala grandiosa para que sua equação financeira seja lucrativa", continua a carta. "Os dois empreendimentos em aprovação somam 1021 unidades de multi-propriedades a serem comercializadas em 53.092 escrituras. Se cada cota for utilizada minimamente por um casal, aportarão um público superior a dois mil proprietários residindo por no mínimo uma semana no Vale dos Vinhedos ao longo do ano. Este número dobra a população residente no Vale, dobra o número de veículos de moradores circulando diariamente no destino e se soma ao um milhão de visitantes que já trafegam na estreita e despreparada ERS-444", acrescenta.
Grande volume de mão de obra
A questão do grande volume de mão de obra necessário para a construção e funcionamento dos dois empreendimentos também é levantada com preocupação. "Anunciam a demanda de mão de obra em ordem superior a 3.000 vagas durante a fase de construção e 2.300 vagas para a operação. O Vale dos Vinhedos não possui a infraestrutura básica necessária (energia, água, saneamento, saúde, transporte e ensino) para abrigar esta população, seja durante as obras ou depois na operação. Esta imensa população de trabalhadores não está disponível em nossa cidade e ou municípios circundantes, portanto terá que ser 'importada'. Onde residirão estes três mil novos trabalhadores? Como se deslocarão para o trabalho diariamente, em uma rodovia que, conforme vimos acima, já mal comportará os próprios novos residentes semanais? Três mil trabalhadores equivalem a 75 ônibus lotados entrando e saindo do Vale pelo menos duas vezes por dia".
Outro ponto se refere especificamente ao "uso do território em desacordo com a vocação rural e Plano Diretor". "Um dos projetos analisado prevê a instalação de 120 lojas e 1.112 vagas de estacionamento em piso concretado. Estes números são superiores aos dos shopping centers urbanos de todas as cidades ao redor do Vale dos Vinhedos. Outro projeto sequer quantifica quantas vagas de estacionamento serão necessárias para atender à demanda e apenas declara que “fará parceria com os vizinhos para acomodar o restante”. Mencionam a impermeabilização de área superior a 30.000m² para estacionamentos, em terreno que deveria contemplar vinhedos e não há comparativo das áreas atuais de vinhedos e das áreas que efetivamente se destinariam à vitivinicultura produtiva", analisa a entidade.
Por fim, a Aprovale reitera "o voto negativo à aprovação dos referidos projetos de megaresorts tais como se apresentam". "Rogamos aos empreendedores e poder público considerar uma nova localização para estes projetos – e quaisquer outros de mesmo porte e perfil imobiliário – em áreas fora do Vale dos Vinhedos e que possam se beneficiar do desenvolvimento que se propõem a trazer para nossa cidade, gerando empregos, incremento turístico e de infraestrura onde haja verdadeiramente estas demandas".