Este feriadão de Páscoa/Tiradentes, trouxe mais uma amostra de que a política virou palco de vaidades digitais, não de resoluções concretas. Em Bento Gonçalves, uma cidade rica e de arrecadação robusta — mas pobre em prioridades públicas —, os vídeos de políticos nas redes sociais substituem com rapidez assustadora o papel de políticas públicas reais. Abaixo, analiso o que 2025 nos revela — e o que deveria ser feito para virar o jogo.
Vocês já notaram que não há mais conversa política em Bento Gonçalves? — há apenas roteiros de lacração. Prefeito grava vídeo. Deputado responde com outro. Ex-ministro comenta. Outro deputado responde ao ministro e ao deputado. E o eleitor? Vira plateia. Um duelo de egos, onde o que menos importa é quem entregou a ambulância, e o que mais importa é quem aparece melhor no vídeo. E se ao invés de disputar o holofote, disputassem resultados? Quem fez mais pela população? Quem melhorou as necessidades básicas na Saúde e Educação?
Não é metáfora. Faltou álcool 70% por semanas na UPA de Bento Gonçalves. Felizmente, chegaram 50 litros por doação, que foram divididos entre a UPA e as UBSs para atender um pouco melhor a população, que tanto precisa. A Prefeitura de Bento tem quase R$ 900 milhões de receita anual, mas não consegue manter geladeiras funcionando para vacinas, nem cadeiras decentes para acompanhantes nas alas de internação da UPA 24 Horas.
Quer “lacrar”? Filme a chegada de geladeiras novas para o simples armazenamento de vacinas e medicamentos, não apenas a pintura do meio-fio e a lavagem de postes nas ruas.
O problema não é só a lacração. É o desvio de foco que ela provoca. Políticos antecipam a campanha de 2026, enquanto a população precisa de atendimento hoje. Fazem vídeos para agradar bolhas ideológicas, em vez de construir pontes entre necessidades reais e ações práticas. Política que vira conteúdo perde o conteúdo da política.
A sociedade também precisa refletir. Por que aplaudimos quem filma papel arrancado de poste e ignoramos o buraco que não é tampado? Por que aceitamos que “comunicação política” vire sinônimo de maquiagem da realidade? Política não é entretenimento. E prefeito não é influenciador.
Se é para lacrar, lacremos com propósito. Algumas ideias bem simples para transformar visibilidade em serviço:
Transparência real: vídeos mostrando os contratos, custos e prazos de obras públicas. Sem cortes e sem maquiagem. A população de Bento Gonçalves desconhece, por exemplo, quanto já se gastou no tão falado Hospital do Trabalhador, que só tem funcionando a ala de internação construída pela iniciativa privada durante a pandemia.
“Influencer” da saúde: que tal um político mostrando a melhoria dos serviços na UPA 24 Horas, o pagamento de salários mais dignos para os servidores da Saúde e o conserto de equipamentos quebrados?
Desafio das UBSs: resolver os problemas das unidades em 30 dias, garantindo que os funcionários tenham, pelo menos, os itens básicos para um bom atendimento da comunidade. Filme isso.
Ação mensal concreta: uma política pública relevante por mês. De verdade, não de fachada. Os postes precisam ser pintados, mas, dentro de outras carências maiores, não seriam a prioridade para a população.
Foco nos invisíveis: usar o alcance digital para ouvir e atender quem não tem acesso direto ao poder.
O ano de 2025 já tem mais de 120 dias. Será que ele vai ser lembrado como o ano em que políticos decidiram “lacrar” em vez de governar? Esperamos que não. Ainda dá tempo de transformar vídeos em ações, curtidas em melhorias, e seguidores em cidadãos.
Mas, para isso, os políticos precisam descer do ringue do ego e voltar ao chão da gestão. E a população, mais do que aplaudir, precisa exigir entrega, fiscalizar promessas e cobrar soluções.
Lacração que vale é aquela que deixa rastro de dignidade, não só de curtidas.