O projeto do Plan-Vale está nas mãos de uma única pessoa (pasmem ou acreditem): o vereador e presidente da Câmara Anderson Zanella (PP). Escolhido como o grande articulador para liberar o Vale dos Vinhedos para grandes empreendimentos, o parlamentar aceitou a missão e, há vários anos, vem agindo para tornar o desejo de alguns empreendedores em realidade. Isto é claro e nítido, além de ser muito perigoso. Apesar do projeto, estudado e bem planejado, que atende aos anseios da comunidade, a decisão final passa pelas câmaras de vereadores de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. E, por essas e outras, os políticos se preparam para atender os interesses da minoria, que para eles, é mais importante e útil no presente, no passado e no futuro.
Na semana passada, Zanella encaminhou um ofício à equipe técnica do Plan-Vale em que afirma, em nome de todos os parlamentares, que a Casa não se manifestaria na audiência pública marcada para 18 de setembro. Mais do que isso: o texto sugere que a Câmara já possui “pontos de vista diversos” dos apresentados no estudo e que alterações serão necessárias, citando explicitamente a abertura para parques temáticos e empreendimentos de grande porte.
A questão é que não cabe ao presidente falar por todos. Vereadores como Moisés Scussel (MDB) e Volmar Giordani (Republicanos) já afirmaram que não compartilham dessa posição e que votarão de acordo com o desejo dos moradores do Vale. O documento, portanto, mais parece uma carta de intenções pessoais de Zanella do que uma manifestação institucional.
Não é segredo: Zanella há anos defende a liberação para grandes empreendimentos no Vale dos Vinhedos. Ao afirmar no documento que “alterações são necessárias” e que devem incluir parques e mudanças de ocupação do solo, o presidente antecipa o jogo político antes mesmo da votação. Abre, assim, um perigoso leque para a exploração econômica desenfreada, atendendo a interesses de terceiros que veem no Vale apenas lucro fácil, e não patrimônio cultural, histórico e ambiental.
É evidente que o Vale pode — e deve — buscar novas formas de atrair visitantes. Um parque bem planejado, que valorize a cultura local, pode trazer movimento sem destruir a paisagem. O que não se pode admitir é a lógica do “vale tudo” em nome do desenvolvimento, que pode transformar um dos maiores cartões-postais do Rio Grande do Sul em uma selva de pedra. Evoluir não significa demolir; significa preservar com inteligência.
A população do Vale terá de rezar pela sensatez do Legislativo (algo quase impossível). É obrigação da Câmara, ao propor emendas ao Plan-Vale, realizar audiências públicas e anunciar claramente as mudanças à sociedade. Mas, convenhamos, isso muitas vezes vira mera formalidade quando já se sabe o desfecho político.
No fim, o debate não é apenas sobre parques, hotéis ou ocupação de solo. É sobre que futuro queremos para o Vale dos Vinhedos: um território preservado, que continue encantando turistas e moradores, ou um espaço descaracterizado para agradar um pequeno grupo de interesses privados, em troca de favores que, no mínimo, merecem ser questionados.
O Vale dos Vinhedos não pode ser vendido a qualquer custo. O documento de Zanella deixa claro quais cartas ele já colocou sobre a mesa. Resta saber se os demais vereadores terão coragem de jogar com a comunidade — e não contra ela.