
A Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves vive dias de ironia institucional. O presidente do Legislativo, Anderson Zanella (PP), que tantas vezes se apresentou como defensor rigoroso do Regimento Interno, acaba de dar uma interpretação bastante pessoal do que é “cumprir as regras da Casa”.
Em 13 de outubro de 2025, Zanella protocolou o Requerimento nº CMBG-RQO-2025/00016, pedindo a criação de uma Comissão Especial para apresentar proposta de alteração do Regimento Interno. No pedido, ele mesmo delimitou os artigos que deveriam ser alterados — 3º, 10, 11, 12, 13, 24, 29, 60, 101, 111, 121, 128, 146, 152 e 162 — alegando inconsistências jurídicas e necessidade de adequação à Lei Orgânica do Município.
Nada de errado até aí. O problema começou logo depois.
No dia 23 de outubro, o presidente promulgou a Resolução nº CMBG-RES-2025/00447, criando a referida comissão. E fez isso sem seguir o próprio artigo 64 do Regimento Interno, que é claríssimo ao determinar que as comissões temporárias — como a especial — devem respeitar o critério da proporcionalidade partidária, garantindo a participação de todas as bancadas com representação na Câmara.
Em vez disso, Zanella montou a comissão apenas com aliados da base governista, ignorando completamente os líderes das bancadas do MDB e dos Republicanos, que sequer foram consultados. A lista de integrantes confirma o viés político: Thiago Fabris (PP), José Antônio Gava (PSDB), Gilmar Pessutto (União), Letícia Bonassina (PL), Lúcio Lanes (PDT) e até Marlene Pelicioli (Cidadania) — suplente e aliada da base — ocupam as cadeiras da nova comissão. Nenhum vereador de oposição foi incluído.
O resultado prático é que a Comissão Especial criada para “harmonizar a legislação” nasce sem harmonia política e, ao que tudo indica, com pauta definida de antemão pelo próprio presidente.
A movimentação de Zanella revela algo mais profundo do que uma mera disputa interna: mostra um Legislativo concentrado em uma só mão. Ele atua como presidente, articulador e árbitro do jogo, definindo as regras conforme o tabuleiro lhe convém.
A Resolução assinada no dia 23 dá à comissão prazo de apenas 30 dias, prorrogáveis por mais 20, para concluir o trabalho — tempo curto o bastante para impedir qualquer debate mais amplo. O que se espera, realisticamente, é um texto pronto e aprovado com celeridade, sem espaço para divergências.
O discurso da “modernização do Regimento” soa bem, mas o método lembra os tempos em que o poder se confundia com a vontade de quem empunhava a caneta.
Na prática, a Câmara de Bento Gonçalves funciona hoje como um campo de jogo com dono definido. E o dono é Anderson Zanella.
Ele define o que deve ser mudado, quem deve mudar e em quanto tempo deve mudar. Os demais, mesmo que eleitos para representar a pluralidade política da cidade, têm papel coadjuvante.
A ironia maior é que essa mudança nasce sob o pretexto de “corrigir inseguranças jurídicas” — e termina, justamente, criando uma insegurança política ainda maior: a de um Legislativo que abandona o debate e se curva à conveniência.
Se o novo Regimento incluir uma regra que limite o tempo de presidência da Câmara a dois anos, talvez haja um sopro de coerência, em um vendaval de atrocidades. Mas, sinceramente, é pouco provável. Afinal, quem dita as regras, dificilmente escreve uma que o obrigue a deixar o trono.
Bento Gonçalves vive um tempo em que o Regimento é invocado, mas não seguido; citado, mas não respeitado.
E, como se diz nos bastidores, por lá “a banda toca do jeito que o maestro quer”.