Em uma reunião realizada no dia 20 de março, os dois sindicatos ligados ao setor da hotelaria em Bento Gonçalves e região – patronal e de trabalhadores – sentaram à mesa e ajustaram algumas medidas para tentar evitar demissões em meio à crise que começava a ganhar força. Naquele momento, uma das principais definições foi a de adiantar ao máximo as férias dos empregados, inclusive dos que ainda não tinham alcançado o período aquisitivo – nestes casos, um banco de horas extraordinário funcionaria para compensação futura do tempo parada.
Um mês depois, o segmento amarga uma drástica redução no fluxo de clientes e, na própria análise interna, não deve voltar tão rápido à normalidade, mesmo com a retomada de atividades comerciais. Com o fim das férias que foram antecipadas e as equipes tendo que retornar ao trabalho, os desligamentos de funcionários se tornaram, em muitos casos, inevitáveis.
Mesmo com a possibilidade de as empresas aderirem ao pacote previsto na Medida Provisória 936, do Governo Federal, e suspenderem contratos ou reduzirem jornadas temporariamente, não há uma confiança de que essas possam ser soluções definitivas para os problemas enfrentados. Um dos motivos é justamente a "garantia provisória no emprego" estipulada na MP, que deve vigorar, após o reinício, pelo prazo igual ao da paralisação. Sem saber se terão como sustentar a "estabilidade" apontada na norma, vários empregadores estão se antecipando e promovendo as demissões agora.
Semanas cruciais
Ainda não há um panorama fiel do total de desempregados no ramo hoteleiro na cidade, mas, tanto para o Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria (SEGH) como para o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Hoteleiro, Meios de Hospedagem, Gastronomia, Turismo e Hospitalidade (Sintrahtur), uma certeza está desenhada: as duas próximas semanas tendem a ser bastante preocupantes com relação à piora deste quadro. "O enxugamento vai ser natural, infelizmente. Além das demissões, também teremos fechamentos. Praticamente todos estão fazendo desligamentos, exceto as pequenas pousadas mais familiares. O movimento está forte e, pelo comportamento, nessa semana e na próxima vamos ter isso mais claro", afirma a diretora executiva do SEGH, Marcia Ferronato. Ao longo dos últimos dias, o SEGH já tem coletado informações mais precisas junto aos seus associados.
Na avaliação da dirigente, a recuperação dos emprendimentos de hospedagem tende a ser bastante lenta, principalmente pelo fato de eles dependerem do turismo de lazer e de negócios. "Sabemos que vão ficar cicatrizes bem profundas. O normal que nós conhecíamos não existe mais e isso está gerando uma insegurança, mas tenho certeza de que vamos nos reinventar e voltar a crescer com responsabilidade", ressalta. Uma das iniciativas que, na visão de Marcia, contribuirá para que esta retomada possa ser conduzida de forma mais consistente é a união do setor turístico, que começa a se fortalecer com a recente criação do Comitê Pró-Turismo local.
De olho nos direitos
O Sintrahtur tem se mantido atento ao volume de demissões e, sobretudo, à maneira como elas tem sido feitas neste contexto de crise gerado pela pandemia do Coronavírus (Covid-19). Nos últimos dias, a entidade tem sido acionada por muitos trabalhadores que estão questionando a forma de pagamento dos valores a que têm direito. O sindicato contesta alguns atrasos e parcelamentos que, segundo os representantes dos ex-funcionários, impostos pelos empregadores à margem da lei.
Conforme o presidente Jair Ubirajara da Silva, no caso de alguns desligamentos encaminhados por uma rede regional, por exemplo, haveria inconsistências como a redução de 50% do aviso prévio e das verbas rescisórias. Como justificativa, a empresa teria apresentado o chamado "fato do príncipe", princípio do Direito Administrativo que tem sido debatido também nas relações trabalhistas: em resumo, o entendimento seria de que, em função dos descretos municipais, estaduais e federais que restringiram a atividade econômica, à empresa não teria condições de manter integralmente os compromissos trabalhistas. "O cálculo inicial estava correto, mas nós não concordamos com essa dedução usando o fato do príncipe como motivo. Isso não tem cabimento, não é válido nesta situação, e nós não vamos ceder nenhum milímetro no que diz respeito aos direitos dos trabalhadores. Eles tiveram que assinar para ao menos poder receber o FGTS e o Seguro-Desemprego, mas as coisas não andaram da forma correta", afirma Silva, adiantando que o sindicato reivindicará, inclusive, o pagamento de multa pela demora no acerto.
Em comum, em uma previsão um pouco mais otimista no horizonte, SEGH e Sintrahtur entendem que, tão logo a crise se dissipe, o caminho das recontratações seja novamente trilhado na hotelaria. Até lá, contudo, o cenário de incertezas ainda deve permanecer instaurado por alguns meses para quem atua e investe no setor.