Protocolado há uma semana na Câmara de Bento Gonçalves, um Projeto de Lei do Vereador Neri Mazzochin (PP) previa a retirada do caráter deliberativo de todos os conselhos municipais, tornando-os apenas consultivos. Embora sequer tenha sido analisada pelas comissões da Casa, a proposição já começou a mobilizar os mais diversos colegiados em funcionamento na cidade, que temem que a medida simbolize uma verdadeira carta branca para os Poderes Executivo e Legislativo tomarem decisões sem a participação dos grupos criados justamente para desempenhar o controle social.
Contatado pela reportagem, o autor da proposta – que já tramita no sistema da Câmara e conta com pelo menos outras dez assinaturas – afirma que, até a próxima semana, ela deve ser complementada, elencando os conselhos que serão aingidos pela alteração. Em resumo, sendo somente consultivos, eles teriam seu envolvimento limitado a apresentar sugestões, que poderiam ou não ser acolhidas pelo governo.
Mazzochin garante que, ao longo dos próximos dias, pretende ouvir todos os conselhos, avaliando o papel desempenhado por cada um, antes de apontar no PL quais devam sofrer modificações. "Alguns conselhos não podem deixar de ser deliberativos, como os de Saúde e de Meio Ambiente, além de outros. Mas tem alguns que estão realmente atrapalhando o desenvolvimento de nosso município por uma disputa de beleza", afirma.
Indagado a citar conselhos que estariam nesta situação de "barrar o crescimento de Bento Gonçalves", e se o Conselho Municipal de Planejamento (Complan) figura nesta relação, o parlamentar disse que tais informações serão entregues à comunidade em breve, inclusive em pronunciamentos na Tribuna. "Tenho consciência de que se trata de um tema polêmico, mas, se for uma polêmica para ver Bento crescer, em compro a briga com quem for", acrescenta.
Entre os vereadores que discordam da posição de Mazzochin está Agostinho Petroli (MDB). "Eu realmente não vejo uma justificativa para mudarmos essa questão dos conselhos. Minha opinião é de que não devemos mexer em nada do que temos hoje. Mesmo que, muitas vezes, a sociedade civil não participe como poderia, e que a prefeitura geralmente consiga aprovar aquilo que é de seu interesse, este espaço da comunidade está garantido nos conselhos", argumenta.
"Estaremos atentos"
Ainda que o Conselho Municipal de Saúde, aparentemente, não deva sofrer intervenção, seu atual presidente, Luiz Fernando Ferreira, alerta que é preciso estar atento principalmente, à possibilidade de que colegiados possam ser extintos, reduzindo o engajamento da sociedade na condução e fiscalização da gestão pública. "Tudo parece estar se encaminhando para um modelo em que as pessoas que estão lá, e que hoje representam diversos setores de nossa comunidade, deixem de opinar nas coisas que o prefeito quer fazer. É como caminhar para um sistema quase ditatorial", aponta.
Em contraponto ao Projeto de Lei, Ferreira ressalta que os próprios vereadores poderiam acompanhar de forma mais próxima os trabalhos desempenhados por cada conselho, cobrando quando necessário o cumprimento de suas atribuições, mas não tentando limitá-las. "Com certeza, nós estaremos atentos aos próximos passos que serão dados. É claro, posso falar com mais propriedade com relação ao conselho em que atuo, mas precisamos acompanhar essa questão de uma forma mais ampla", finaliza.
Medo de retrocessos
Para o ex-membro do Conselho Municipal de Política Cultural, Pedro Festa, que nos últimos anos também tem apresentado muitos projetos ligados à cultura do Hip-Hop na cidade, o temor é de que conquistas recentes para o meio artístico possam ser desconstruídas, causando um verdadeiro retrocesso. "Hoje, Bento é exemplo para o Estado no que se refere ao fomento da Cultura, é um modelo a ser seguido, e não queremos perder isso. Então, quando se generaliza algo que talvez seja voltado para outras áreas, pode acabar respingando em projetos que têm dado um resultado muito positivo na nossa comunidade", ressalta.
Na mesma linha de Ferreira, Festa também salienta que, dentro do conselho, há muitos segmentos representados, dividindo espaço com representantes da própria administração municipal. "Para a Cultura, certamente teríamos muito a perder. Na minha visão, quanto mais plural a decisão, melhor. Por isso, eu entendo que a prefeitura deveria dialogar mais, e não menos", conclui.