
O ano legislativo de 2025 terminou e a Câmara de Vereadores de Bento Gonçalves encontrou um eixo de atuação confortável e previsível: moções de repúdio. Muitas moções, aliás. Em série. Quase sempre direcionadas a governos distantes, como o do governador Eduardo Leite e o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvos preferenciais de indignação parlamentar. Contra Brasília e o Piratini, os discursos eram firmes, inflamados, quase heroicos. Um Legislativo em modo leão.
A pergunta que ficou ecoando nos corredores — e fora deles — foi simples e incômoda: e o prefeito Diogo Siqueira? E Bento Gonçalves? O chefe do Executivo Municipal, que governa a cidade onde os vereadores vivem, circulam e pedem votos, parece ter se tornado uma figura quase invisível aos olhos críticos da maioria dos parlamentares. No quintal onde pisam, o rugido deu lugar a miados cautelosos.
Não se trata de defender governos estaduais ou federais. A crítica é legítima e necessária em qualquer democracia. O problema é a assimetria (grande diferença; disparidade, discrepância para quem não entende o português mais rebuscado). Atacar políticas nacionais rende aplauso fácil, alinhamento ideológico e engajamento nas redes. Fiscalizar o Executivo local, porém, exige enfrentamento real, desgaste político e, sobretudo, independência.
Com raras exceções — dois ou três vereadores —, que ao menos ensaiaram cobranças pontuais, a maioria preferiu o conforto da ilha da fantasia. Um lugar onde, aparentemente, não falta nada em Bento Gonçalves. Onde todas as carências da população, que eles dizem representar, estariam resolvidas. Onde saúde, mobilidade, habitação, planejamento urbano e prioridades orçamentárias caminham sem sobressaltos. Crianças com alguma deficiência, só para dar um exemplo, foram plenamente atendidas nas escolas e não precisaram ficar em casa por falta de monitores. O Hospital Público finalmente ficou pronto e está funcionando a pleno, atendendo todas as carências da nossa comunidade.
Se tudo está tão bem, cabe então a pergunta que incomoda qualquer democrata: para que servem os vereadores? Para fiscalizar governos distantes? Para bater palmas ao prefeito? Para distribuir moções, portarias de louvor e homenagens em série?
A nova lógica política — a de que “todos estão caminhando para o mesmo lado” — pode até soar harmoniosa no discurso, mas tem efeitos práticos claros: esvazia o papel do Legislativo. Sem conflito institucional, sem cobrança sistemática e sem contraponto, administrar a cidade se torna confortável. Legislar, então, vira uma mera formalidade.
As questões mais sérias do município foram sendo empurradas para debaixo do tapete. Não desapareceram; apenas deixaram de ser prioridade. E o roteiro aponta que 2026 tem tudo para repetir o mesmo enredo.
Se a Câmara quiser recuperar relevância, talvez precise lembrar que fiscalizar o poder próximo é mais difícil — e mais necessário — do que atacar o distante. Caso contrário, seguirá confortável no papel de figurante, aplaudindo o palco enquanto a cidade assiste, do lado de fora, a um espetáculo cada vez menos convincente.
Nesse reino encantado, surge ainda um símbolo eloquente: o novo palácio do Legislativo, com custo superior a R$ 30 milhões, onde os nobres edis devem se acomodar a partir de maio de 2026. O mesmo prédio que, em tempos eleitorais, chegou a ser prometido como uma super escola infantil. A promessa virou pó; o concreto, ou melhor, o palácio, realidade.
Para equilibrar a narrativa, veio o agrado ao povo que representam: uma praça ao lado do palácio, destinada às crianças, às famílias. Um gesto simpático, quase pedagógico. Talvez a obra pudesse se chamar “A Praça é Nossa”, em homenagem ao humor involuntário de um Legislativo onde a piada já vem pronta — e o riso, infelizmente, é mais irônico do que alegre.