Foi apresentada na noite desta terça-feira, 26, na sede da comunidade 8 da Graciema, no Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves, a proposta com as sugestões do Plan-Vale para a proteção e o desenvolvimento sustentável do Vale dos Vinhedos pelos próximos 25 anos. Cerca de 60 pessoas acompanharam a reunião, entre moradores da comunidade, políticos e lideranças regionais, quando foram exibidas as principais diretrizes que devem orientar o futuro do território enoturístico mais famoso da Serra Gaúcha. Entre os destaques apresentados está a proibição da construção de condomínios horizontais ou verticais.
O coordenador do plano, o arquiteto Vinícius Ribeiro, explicou que o documento foi elaborado após workshops com especialistas e audiências públicas e agora está sendo entregue uma versão consolidada do plano às prefeituras para apreciação da comunidade. Os interessados terão 20 dias para analisar tudo o que foi sugerido e apresentar propostas de alterações ou inclusões em uma nova e definitiva audiência pública. Ele lembra que a escuta pública continuará até a entrega final, pois o Plan-Vale se propõe a ser um processo participativo: “Não estamos diante de um plano pronto, mas de uma base técnica que começa a tomar forma e que precisa do olhar sensível de quem vive o território”, destacou o coordenador.
A proposta do Plan-Vale não se limita a recomendações – ela prevê restrições para atividades consideradas incompatíveis com o caráter paisagístico e cultural da região. O documento de sugestões (apresentado em audiência pública e disponibilizado no blog do projeto) elenca empreendimentos industriais e de infraestrutura pesada que devem ser vetados no território do Vale, a menos que façam parte da cadeia vitivinícola. Entre as proibições estão:
· Grandes indústrias e usinas: indústrias de transformação, usinas de asfalto, termoelétricas, refinarias, curtumes e frigoríficos. Essas atividades possuem alto potencial poluidor e impacto visual, incompatíveis com o caráter agrícola e turístico da região.
· Infraestruturas de grande porte não integradas ao território: centros logísticos de grande escala, postos de combustíveis fora das áreas urbanas consolidadas, arenas esportivas e parques de diversões de grande porte.
· Lazer de alto impacto: boates, grandes casas de shows ou qualquer empreendimento com emissão sonora elevada e poluição luminosa. O plano prioriza o turismo de pequena escala e experiências de enoturismo imersivo.
· Empreendimentos imobiliários incompatíveis: condomínios horizontais ou verticais em áreas rurais de preservação e loteamentos que comprometam corredores visuais e mosaicos produtivos. A proibição desse tipo de empreendimento visa evitar que grandes condomínios residenciais ou de hospedagem transformem a paisagem rural e dificultem o acesso do público ao território vitivinícola.
· Usos agrícolas agressivos: monoculturas intensivas com alto uso de defensivos químicos e criação industrial de animais em escala intensiva, que podem contaminar o solo e comprometer a sustentabilidade do terroir.
Essas restrições têm como objetivo impedir a ocupação desordenada do Vale dos Vinhedos. Ao banir empreendimentos que destoam da vocação vitivinícola e turística da região, o Plan-Vale busca reduzir pressões imobiliárias e preservar a identidade cultural.
Durante as audiências e oficinas, os responsáveis pelo Plan‑Vale apresentaram cinco princípios que devem guiar as futuras normas:
· Sustentabilidade cultural e paisagística: preservação do patrimônio vitivinícola, da paisagem rural e das comunidades locais.
· Desenvolvimento do turismo equilibrado: incentivar o turismo de qualidade, evitando empreendimentos que descaracterizem o ambiente e gerem impactos visuais ou sonoros excessivos.
· Proteção e gestão integrada: articular ações conjuntas entre os três municípios, produtores e órgãos estaduais para proteger áreas ambientais sensíveis e gerir o território de forma unificada.
· Influência da comunidade: valorizar as demandas das famílias agricultoras e das empresas locais, garantindo que a população participe de cada etapa do processo.
· Inovação e competitividade regional: promover soluções criativas que reforcem a competitividade do Vale sem comprometer a paisagem, apostando em enoturismo de qualidade e em circuitos de educação ambiental.
A equipe técnica reforça que o Plan-Vale une preocupações ambientais com a necessidade de planejamento econômico.
Além das proibições, o plano apresenta recomendações para orientar investidores, poder público e comunidade. Entre as principais ações previstas estão:
· Centros de educação ambiental e equipamentos de lazer de pequena escala para promover a interpretação da paisagem e a valorização da cultura vitivinícola. Trilhas de interpretação e espaços de visitação devem ser estruturados de forma a educar o visitante sem degradar o ambiente.
· Polos logísticos de baixo impacto, como armazéns rurais de pequeno porte e transporte turístico por vans ou micro‑ônibus, reduzindo o fluxo de caminhões de grande porte no interior do Vale. A logística deve ser pensada para escoar a produção vitivinícola sem prejudicar o fluxo turístico.
· Criação de uma área pública de lazer, com parques e espaços de convivência, para que moradores de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul possam desfrutar do Vale sem necessariamente consumir produtos turísticos. A ideia é aproximar a população da paisagem do vinho e estimular a sensação de pertencimento.
· Integração dos planos diretores: os municípios deverão harmonizar suas legislações urbanísticas, respeitando as diretrizes do Plan-Vale e definindo regras comuns para zoneamento, paisagem, gabarito de construções e infraestrutura.
· Promoção de turismo sustentável: incentivo à diversificação de rotas enoturísticas, valorização do agroturismo e da gastronomia local, organização de eventos culturais de pequeno porte e fomento a hospedagens familiares ou pousadas integradas à paisagem.
O plano também recomenda mecanismos de compensação ambiental para empreendimentos de baixo impacto, e a criação de um órgão gestor que acompanhe a implementação das medidas e garanta a fiscalização permanente. Esse órgão deverá contar com representantes das três prefeituras, da Aprovale, do Ministério Público e da comunidade.
A intenção do Plan-Vale de proibir grandes condomínios residenciais e de hospedagem – tanto horizontais quanto verticais – revela uma preocupação central com o controle da especulação imobiliária. Esses empreendimentos, se permitidos, poderiam descaracterizar a paisagem de vinhedos, aumentar a impermeabilização do solo e ampliar o tráfego de veículos. Ao mesmo tempo, o plano oferece alternativas de desenvolvimento que valorizam a economia do vinho e o turismo sustentável, como centros de educação ambiental e polos logísticos de pequeno porte. A criação de uma área pública de lazer é uma estratégia interessante para aproximar os moradores do território e reforçar a identidade cultural.
O sucesso do Plan-Vale dependerá da adesão dos três municípios e da aceitação dos proprietários de terras. Como Vinícius Ribeiro reconhece, a proposta é uma base técnica que precisa do olhar sensível dos moradores. Se houver engajamento público e transparência, o plano pode se tornar um marco para o ordenamento territorial da região, garantindo que o Vale dos Vinhedos continue sendo sinônimo de vinho, cultura e paisagem preservada para as próximas gerações.