
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou inconstitucional o § 4º do artigo 61 da Lei Municipal nº 4.000/2006, alterada pela Lei nº 7.005/2023, ambas de Bento Gonçalves. O dispositivo permitia que empresas que realizassem supressão de vegetação nativa da Mata Atlântica dentro do município pudessem fazer o plantio compensatório em outros locais da bacia hidrográfica Taquari-Antas, que abrange 118 municípios e mais de 26 mil km². A decisão foi unânime no Órgão Especial do Tribunal e atendeu a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Ministério Público Estadual.
A norma foi articulada pelo agora presidente da Câmara, vereador Anderson Zanella (PP), e pelo prefeito Diogo Siqueira (PSDB), sob o argumento de flexibilizar procedimentos e ampliar alternativas para compensações ambientais no município.
O dispositivo anulado permitia que, para cada árvore cortada, o replantio obrigatório pudesse ocorrer:
“Preferencialmente” em Bento Gonçalves,
Ou na bacia dos rios Taquari-Antas, mesmo fora do município.
Na prática, empresas poderiam remover vegetação nativa dentro do perímetro urbano de Bento Gonçalves e compensar o dano ambiental em qualquer ponto da extensa bacia hidrográfica — inclusive a centenas de quilômetros da área impactada.
Além disso, a alteração dobrava de 1 para 2 anos o prazo para o replantio e autorizava até 10% de falhas no processo de recomposição.
Segundo informações destacadas no voto, o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema) alertou para a inviabilidade de fiscalização caso o plantio fosse permitido em toda a bacia Taquari-Antas. A denúncia foi feita pelo próprio Comdema ao Ministério Público. O colegiado ressaltou:
A bacia abrange 118 municípios;
População estimada de 1,38 milhão de habitantes;
Intensa atividade agropecuária;
Pressões já consolidadas sobre os recursos hídricos.
Para o Conselho, permitir compensações tão distantes retiraria do município o direito à recomposição ambiental local — princípio fundamental das políticas ambientais.
O relator, desembargador Roberto Carvalho Fraga, foi enfático ao afirmar que o dispositivo configurava “redução da tutela constitucional do meio ambiente”, especialmente em um período de crescente vulnerabilidade ambiental no Estado.
Ele destacou que:
A Constituição Federal e a Estadual impõem ao Poder Público o dever de proteger, e não flexibilizar, a preservação ambiental;
Normas municipais só podem aumentar, jamais reduzir, a proteção ambiental — entendimento já pacificado pelo STF (ADPF 567);
Não havia justificativa técnica robusta que sustentasse a flexibilização;
Permitir o plantio fora do município dificultaria ou inviabilizaria a fiscalização, contrariando o interesse público local.
Fraga escreveu em seu voto:
“Mormente considerando o momento crítico atual, a tutela do meio ambiente deve ser mais do que nunca inegociável, guardadas medidas de flexibilização para situações amplamente justificáveis — o que não é o caso em apreço.”
O julgador também ressaltou que a lei municipal violava:
Artigos 8º e 251 da Constituição Estadual,
Artigos 30, II, e 225 da Constituição Federal.
O Tribunal aplicou o princípio do “efeito cliquet”, que impede a diminuição dos níveis já alcançados de proteção do meio ambiente. A decisão considerou que a norma municipal:
Não trazia medidas compensatórias equivalentes;
Promovia retrocesso ambiental;
Enfraquecia o controle local sobre o impacto da supressão vegetal.
O Órgão Especial julgou procedente a ação e declarou inconstitucional o § 4º do artigo 61 da Lei Municipal nº 4.000/2006, em sua redação dada pela Lei nº 7.005/2023. Com a decisão:
A compensação ambiental volta a ser exigida dentro do território do município, como previsto originalmente;
Fica restabelecida a exigência de que o dano ambiental seja compensado no local afetado.
A decisão ocorre em controle concentrado de constitucionalidade no âmbito estadual, mas ainda cabe recurso ao próprio Tribunal ou ao Supremo Tribunal Federal, caso o município ou o Legislativo decidam contestar o entendimento.
A decisão do TJRS reforça a diretriz de que municípios inseridos no bioma Mata Atlântica devem intensificar, e não suavizar, mecanismos de preservação — especialmente em regiões já afetadas por eventos climáticos extremos recentes.
Para ambientalistas, a decisão fortalece a proteção ambiental local; já setores econômicos têm apontado que a medida aumenta obrigações para projetos que dependem de supressão vegetal.