O 10 de fevereiro de 2025 ficará marcado na história de Bento Gonçalves como o dia em que o equilíbrio entre desenvolvimento urbano e preservação do patrimônio histórico foi colocado em xeque. A votação na Câmara de Vereadores do projeto enviado pelo prefeito Diogo Siqueira para esvaziar o poder deliberativo do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (Compahc) não é apenas uma decisão administrativa: é um divisor de águas na forma como a cidade será conduzida nos próximos anos. O projeto será aprovado pela maioria dos vereadores do Legislativo.
A proposta representa um verdadeiro cheque em branco para o prefeito, que passa a ter o controle exclusivo sobre decisões que envolvem o patrimônio cultural e arquitetônico da cidade. Os pareceres dos técnicos do Compahc, que por anos impediram a destruição de marcos históricos e barraram projetos inconsistentes, se tornarão meros papéis sobre a mesa do Executivo – sem qualquer poder real de decisão.
Essa investida contra os conselhos de regulamentação urbana não é novidade. Em 2022, um projeto semelhante já havia sido apresentado pelo atual presidente da Câmara, vereador Anderson Zanella (Progressistas), mas acabou barrado pelo Tribunal de Justiça, que o considerou inconstitucional. Agora, com um cenário político mais favorável, Diogo Siqueira parece determinado a levar adiante sua agenda, garantindo mais poder ao Executivo e eliminando as barreiras que impedem o avanço indiscriminado de construções na cidade.
O argumento? O de sempre: progresso e desenvolvimento. Mas a que custo?
A votação do projeto que enfraquece o Compahc pode ser apenas o primeiro passo de uma estratégia bem maior. Nos bastidores, já se comenta que a próxima ofensiva será contra o Complan (Conselho Municipal de Planejamento Urbano) e o Conselho Distrital, órgãos que têm sido obstáculos para grandes empreendimentos, principalmente no Vale dos Vinhedos.
O próprio Conselho Distrital já impediu no passado a construção de resorts de grande porte na região, preservando a identidade cultural e ambiental do enoturismo. Na época, o prefeito tentou, sem sucesso, substituir conselheiros na canetada, mas foi contido. Agora, com uma nova correlação de forças políticas, ele busca consolidar um cenário onde o setor imobiliário e os grandes investidores terão caminho livre para projetos de grande impacto.
O objetivo é claro: liberar construções sem entraves técnicos ou culturais. Se antes havia um equilíbrio entre desenvolvimento e preservação, agora a balança pesa para um único lado – o lado dos que enxergam Bento Gonçalves apenas como um negócio lucrativo, e não como uma cidade com identidade histórica e cultural a ser protegida.
Se a derrubada dos conselhos de regulamentação já preocupa, o grande golpe pode vir na mudança do Plano Diretor, já em gestação para 2025 e 2026. O projeto é uma pauta antiga de Diogo Siqueira e Anderson Zanella, que buscam flexibilizar ainda mais as regras urbanísticas para ampliar o crescimento imobiliário.
Diante desse cenário, fica a pergunta: quem realmente ganha com essas mudanças? Certamente, não é a população, que verá sua cidade perder parte de sua identidade em nome de interesses particulares e políticos.
O embate entre progresso e preservação nunca foi tão intenso em Bento Gonçalves. E se nada for feito, o futuro da cidade será decidido por uma minoria que coloca o lucro acima da história, da cultura e da qualidade de vida dos cidadãos.