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Professora do IFRS denuncia racismo institucional durante evento em Bento Gonçalves

Caso ocorreu durante apresentação de estudantes bolsistas e voluntária no 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino do IFRS - Campus Bento Gonçalves

30/11/2023 às 18h53 Atualizada em 30/11/2023 às 19h36
Por: Kevin Sganzerla Fonte: NB Notícias
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Um caso de racismo institucional foi denunciado pela professora Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) - Campus Bento Gonçalves, Giselle de Araújo. O fato alegado pela profissional de ensino ocorreu durante uma apresentação de trabalho por parte de estudantes bolsistas e voluntária do projeto de Extensão “Tópicos de Educação Antirracista”, no 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino, no último dia 24, em Bento. A professora formalizou a denúncia que, segundo nota do IFRS, será apurada. 

Segundo relatos da professora, um desentendimento por parte da reitoria sobre a apresentação de um trabalho fez com que uma servidora entrasse na sala e econstrangesse, aos gritos, três alunas e a professora sob a alegação de que o grupo não poderia apresentar o trabalho de forma conjunta.

Giselle, em relato enviado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiro e Indígena (Neabi) da instituição e encaminhado à comunidade estudantil, detalhou que a servidora interrompeu as alunas, que apresentavam o trabalho e. aos gritos, impediu o prosseguimento das atividades. "“Quanto mais eu respondia com argumentos à citada servidora, mais ela se alterava, tentando impor a um corpo negro, aos gritos, uma superioridade branca delirante, demonstrando descontrole e atrapalhando a apresentação dos outros trabalhos da sala”, ponderou a professora. 

Por conta do ocorrido, a professora alega que a atitude da servidora ao tentar constranger e acuar uma mulher negra expressa racismo. Logo após o fato, ainda na sala de apresentação e diante de estudantes e da banca avaliadora, ela denunciou o ato, sendo acolhida por uma das avaliadoras, que informou que incluiria o fato na ata da apresentação. As estudantes e a professora formalizaram a denúncia na direção-geral do campus Alvorada, ao qual pertencem.  

O IFRS - campus Alvorada divulgou uma nota de repúdio e cobrou medidas imediatas a respeito do fato. "Este ato repulsivo atingiu a dignidade das envolvidas e fere, também, toda a comunidade acadêmica que preza pela construção de uma sociedade livre das amarras das opressões. Assim, manifestamos nossa solidariedade incondicional à professora e às estudantes que enfrentaram com altivez essa situação tipificada como crime. Nos colocamos integralmente à disposição para encampar todas as ações necessárias para o devido acolhimento e resolução desta situação", ressaltou a instituição. 

Em nota oficial, o IFRS afirmou que a denúncia foi prontamente encaminhada para apuração junto à Coordenadoria de Correição e Gestão de Processos Disciplinares. Como uma das estudantes é menor de idade, o setor de acolhimento deve acionar a Diretoria de Assuntos Estudantis para tratar sobre o caso. 

“O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) recebeu com consternação o relato sobre incidente ocorrido no 8º Salão de Pesquisa, Extensão e Ensino. A gestão do IFRS reafirma seu repúdio a qualquer ato discriminatório, que não corresponde com o esforço institucional pelo combate ao racismo e pela promoção da igualdade racial. O IFRS se solidariza com todos servidores e estudantes envolvidos neste lamentável episódio", afirma a instituição de ensino de Bento Gonçalves. 

Confira o relato na íntegra:

Sou a professora Giselle Maria Santos de Araujo, docente do campus Alvorada e coordenadora do projeto de Extensão Tópicos em Educação Antirracista, apresentado no 8° Salão de Ensino, Extensão e Pesquisa do IFRS. Venho trazer o relato e denunciar o racismo institucional de que fui vítima  na apresentação ora citada.

A servidora Rosangela Ferreira, uma das avaliadoras da seção de apresentação de trabalho, anunciou o nosso trabalho constando apenas a estudante Emanoella como apresentadora. Avisei que as três estudantes que compõem a equipe, as bolsistas Bruna Lenz e Luísa Costa e a estudante voluntária Emanoella Oneci, apresentariam conjuntamente o trabalho dentro do tempo de apresentação de 10 minutos, conforme o regulamento. Apresentei o documento enviado pela PROEN do  IFRS constando as três jovens como apresentadoras do trabalho. A servidora  informou primeiramente que iria apenas adicionar a informação da apresentação conjunta em ata. Depois disse que ia perguntar à direção da Semex. Em seguida, a mesma me informou que a representante da Semex, a qual não nomeou, não teria autorizado a apresentação conjunta. Mais uma vez reiterei que as alunas constavam como apresentadoras homologadas do projeto, conforme documento de inscrição. Diante disso, a banca permitiu a apresentação conjunta.

As estudantes já se apresentavam quando a servidora Leila Schwarz invadiu a sala, aos gritos, GRITANDO O MEU NOME e dizendo que as estudantes não apresentariam. Repito: o trabalho já estava sendo apresentado pelas estudantes e a servidora AOS GRITOS, SEM PEDIR LICENÇA, PAROU  A APRESENTAÇÃO, constrangendo as estudantes e a todos os presentes.

As estudantes reagiram e afirmaram que apresentariam todas ou nenhuma apresentação se daria. Eu fui para fora da sala com a servidora e iniciou-se uma discussão. Quando eu disse que a PROEN tinha inscrito todas as estudantes como apresentadoras e que era inadmissível tal atitude, a mesma gritou que ela tinha proibido por e-mail anteriormente a inscrição das mesmas e que se ela tinha proibido, eu não tinha que ter falado com a PROEN. Eu aleguei o óbvio: o e-mail da PROEN, que solicitava dados de autores não inscritos anteriormente, foi enviado a todos e poderia ser respondido por todos.

Diante desse argumento, e ainda bastante  alterada, a servidora tentou alegar que as estudantes foram inscritas apenas para ir ao Salão, mas não para apresentar trabalho. Eu argumentei que o regulamento afirma que só apresentadores seriam homologados para ir ao Salão, e, que portanto, se as alunas foram homologadas, só poderia ser como apresentadoras.

A atitude da servidora ao tentar constranger e acuar uma mulher negra expressa racismo. O racismo, conforme definição de Gonzaléz (1979), Moreira (2019) e Almeida (2018) é uma relação de poder, uma articulação ideológica que se realiza através de um conjunto de práticas sociais que produzem e estruturam mecanismos de exclusão que são variáveis ao longo do tempo e em cada sociedade.

Quanto mais eu respondia com argumentos a citada servidora, mas ela se alterava, tentando impor a um corpo negro, aos gritos, uma superioridade branca delirante, demonstrando descontrole e atrapalhando a apresentação dos outros trabalhos da sala. As estudantes do Tópicos saíram da sala preocupadas com a minha integridade física, posto que os gritos da servidora adentravam o ambiente, e eu deixei claro para a mesma, no mesmo tom, que as estudantes tinham o direito de apresentarem, e que sua atitude era anti-pedagógica, antiética,  anti-didática e arbitrária. E que eu, como coordenadora, não aceitaria tal conduta. A servidora, então, afirmou: “só você fez isso de trazer três apresentadoras para um mesmo trabalho”. O que eu contestei afirmando que vários projetos foram apresentados de forma fragmentada por alunos diferentes.

Diante de minha firmeza e rigidez, a servidora foi baixando o tom, tentando mudar a narrativa, alegando que foi um mal entendido e, ao final, disse que “abriria uma exceção” permitindo a apresentação conjunta como se nós é que estivéssemos erradas. Mas na hora de voltarmos à sala, não retornou junto, mesmo eu cobrando que assim o fizesse, e eu que tive que informar à mesa que a apresentação ocorreria.

Tal violência sofrida por mim e minhas bolsistas infelizmente não nos surpreende. Tivemos na prática a mostra de como o racismo institucional opera até mesmo em instituições que se posicionam no campo progressista. Moreira (2019) assegura que o racismo institucional pode se expressar de algumas formas: quando pessoas não têm acesso aos serviços de uma instituição por serem negras, por exemplo, ou quando os serviços de instituições são oferecidos de forma discriminatória a pessoas negras. No dia 24 de novembro de 2023, na sala 206 do Bloco B do campus Bento Gonçalves do IFRS, eu e minhas bolsistas fomos vítimas das duas formas: a servidora Leila Schwarz tentou impedir o nosso acesso à apresentação de um trabalho que em suas três edições já certificou 250 pessoas de todas as regiões do país em educação antirracista e que estava devidamente honologado; e a mesma servidora me tratou de forma discriminatória por eu ser negra.

A branquitude, como identidade historicamente construída e dimensionada, espera sempre que diante de seu racismo exposto, o sujeito negro se curve e acate. Quando esse sujeito reage e contesta o racismo, a branquitude recua e tenta dar outros nomes, como “mal-entendido”, “quem me conhece sabe”, “faltou organização”. Nesse sentido, é importante ressaltar que não precisa haver uma ofensa verbal pessoal ou à coletividade negra para a expressão do racismo. O ódio racial se manifesta quando o racista tenta exercer poder simbólico, discursivo e/ou físico, sobre o sujeito negro, o qual tenta subjugar. Assim, o racismo não precisa ser – e no Brasil quase nunca é – antecedido por ofensas raciais. A motivação é o racismo em si, é subjugar o negro que é, à vista do branco, inferior e, por isso mesmo, não digno de direitos.

Reitero e denuncio: eu e minhas bolsistas e estudante voluntária fomos vítimas de racismo dentro do 8° Salão de Ensino, Extensão e Pesquisa do IFRS.

Por meio deste e-mail, formalizo a denúncia e afirmo: como mulher negra, doutora e pesquisadora das relações étnico-raciais e servidora federal, NÃO ACEITAREI RACISMO! NÃO TOLERAREI ATITUDES RACISTAS DE QUEM QUER QUE SEJA, NO IFRS OU EM QUALQUER OUTRO LUGAR! E espero uma atitude concreta e coerente por parte do Instituto Federal do Rio Grande do Sul.

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