Disposto a buscar uma vida melhor para sua família, o haitiano Jonel Pierre, de 40 anos, saiu de seu país natal com destino a Bento Gonçalves em junho de 2012. Escolheu a cidade através da indicação de um amigo que chegara alguns meses antes. Pouco mais de sete anos depois, na última quarta-feira, dia 7, ele assumiu um importante compromisso com os cerca de 1,2 mil conterrâneos que vivem no município: contratado pela prefeitura, será o interlocutor entre o governo municipal e os novos moradores, para facilitar o acesso deles aos serviços públicos, principalmente de Saúde, derrubando sobretudo a barreira do idioma – muitos falam somente o crioulo, dialeto derivado do francês.
Contador por formação, Pierre vivia na comuna de São Luís do Sul. Lá, lecionava para turmas de ensino médio disciplinas como Física, Química e Matemática. Quando embarcou para o Brasil, a esposa, que estava grávida de gêmeos, permaneceu em sua terra de origem. Os filhos nasceram em fevereiro de 2013 e, cerca de um ano depois, Jonel finalmente conseguiu reunir os familiares na Capital do Vinho. Em outubro de 2018, seu irmão fez o mesmo caminho; em janeiro deste ano, foi a vez da irmã. No Haiti, permanecem sua mãe, e mais um irmão e uma irmã.
A adaptação passou, inclusive, pelo desafio de encarar um clima bastante diferente. "Lá, a temperatura sempre fica perto dos 30ºC, só baixa um pouco em dezembro. Quando eu vim para cá, não tinha nem roupa de frio", conta, em meio a risos. No início, sozinho, ele dividiu moradia com amigos, mas, quando a família chegou, alugaram uma casa e recomeçaram a vida.
As aulas de português e o dia a dia nas três empresas em que trabalhou nesse meio tempo ajudaram a fortalecer o vínculo com a cidade que o acolheu. Por aqui, também se formou em um curso de Técnico de Informática. "Eu gosto de Bento, cheguei e não pensei em ir para outro lugar", completa.
Hoje, com o processo de naturalização prestes a ser concluído em Brasília, os filhos no primeiro ano da escola e a esposa também trabalhando e estudando a língua portuguesa, Pierre vê com muita responsabilidade a função que passou a exercer nesta semana. "Vai ser um trabalho muito importante, porque muitos haitianos ainda sofrem com essa dificuldade de se comunicar. Nunca faltou atendimento, mas às vezes fica um pouco difícil", afirma.
No primeiro dia, ele já resolveu um problema enfrentado por funcionários de uma unidade de saúde. Com dificuldade para localizar uma paciente que tinha consulta marcada, os servidores passaram a missão para Jonel, que foi até a casa da mulher, uma conhecida sua, e, em seguida, a acompanhou ao posto.
Apoio a outras secretarias
Inicialmente, a expectativa era de que Pierre tivesse uma agenda de escalas nas unidades, mas, por se tratar de um projeto novo, as atividades desempenhadas serão ajustadas no decorrer dos próximos meses, conforme as necessidades destes e de outros setores. "É um projeto inovador, que não vimos em nenhuma cidade. A nossa ideia nasceu para a Saúde, mas ele também já está sendo bastante requisitado em outras secretarias, como Assistência Social e Educação. Isso mostra como era importante que tomássemos uma atitude deste tipo. Em muitos casos, são situações relativamente simples, mas um erro de comunicação pode trazer prejuízos. Então, a partir de agora, também iremos aprendendo com esta nova realidade", analisa o secretário de Saúde, Diogo Segabinazzi Siqueira.