Nas últimas semanas, o trânsito da Serra Gaúcha tem sido palco de uma verdadeira tragédia anunciada. Apenas no trecho da BR-470, registraram-se cinco óbitos recentes, mais de 20 acidentes, inúmeros feridos e prejuízos que vão muito além dos danos materiais — muitos deles irreversíveis.
Apesar dos esforços intensificados pelas forças de segurança, o que se presencia diariamente é uma preocupante combinação de imprudência no trânsito, negligência e ausência de empatia. A falta de educação viária salta aos olhos. Motoristas ignoram a preferência em cruzamentos, forçam ultrapassagens perigosas, desrespeitam faixas de pedestres e os limites de velocidade — especialmente em dias de chuva. Sem falar do desrespeito no trecho da Serra Gaúcha que tem funcionado no sistema de comboio de veículos com a finalidade de amenizar as longas filas que se geravam no siga e pare de meses atrás: o fato de ser comboio não é uma autorização para acelerar e ultrapassar em qualquer local sob a premissa de que não há veículos no sentido contrário. Há diversos caminhões trabalhando, operários circulando nas obras de reparo. Não precisamos de uma tragédia para chamar a atenção; em tese, somos seres racionais e devemos usar um mínimo de sapiência e respeitar as regras de trânsito, mesmo que estejamos transitando em um comboio.
Por outro lado, chama a atenção o que parece ser um “apagão mental” coletivo em condições adversas. Em especial, quando chove, é como se parte dos condutores acreditasse ter herdado as habilidades do eterno Ayrton Senna, conduzindo seus veículos com velocidade incompatível com pista molhada, mesmo conhecendo os riscos. Na última sexta-feira, por exemplo, sob chuva, nas chamadas “curvas da morte” no km 219 da BR-470, registraram-se absurdos 12 acidentes — a maioria envolvendo motoristas da própria região, que conhecem bem os perigos daquele trecho.
É preciso encarar a dura realidade: vivemos uma guerra silenciosa no trânsito. Uma guerra que ceifa vidas diariamente. E o pior: muitas vezes com a conivência de todos nós. Quando toleramos alguém dirigindo após consumir álcool, quando não denunciamos comportamentos perigosos, ou até mesmo quando usamos o celular ao volante, estamos contribuindo com essa estatística trágica.
Quantas famílias ainda precisarão ser destruídas para que, como sociedade, tomemos uma atitude? Quantos filhos, pais e irmãos ainda terão seus nomes gravados em cruzes à beira da estrada?
É hora de reagir. De enxergar o trânsito como espaço coletivo, que exige respeito, atenção e responsabilidade. Precisamos nos sensibilizar antes de sermos obrigados a chorar. Que cada motorista assuma seu papel: desligue o celular, reduza a velocidade, respeite as leis e, acima de tudo, preserve a vida — a sua e a dos outros.
O número de mortes no trânsito que ainda teremos neste ano está diretamente ligado à nossa capacidade de mudança. E essa mudança no comportamento dos motoristas precisa começar agora.