Sem autorização de proprietárias, prefeitura de Bento abre estrada em terreno particular

Em mais uma obra no mínimo mal planejada, a prefeitura de Bento Gonçalves fez algo que parece improvável: simplesmente abriu uma estrada em meio às terras particulares de uma família da linha Pradel. No final de 2021, as donas do lote, que fica junto à divisa de Bento Gonçalves e Pinto Bandeira, foram até a área para averiguar a informação dada por um vizinho de que uma rua estava sendo aberta na propriedade.

Ao chegarem no terreno, elas constataram que de fato um extenso corredor de vegetação – de 800 metros de comprimento por oito metros de largura – havia sido suprimido e, nas proximidades, estava estacionado um trator. Ao questionar um morador das redondezas, uma das proprietárias foi informada de que um empresário havia questionado residentes da área sobre o interesse na abertura da passagem e que o serviço teria sido autorizado e executado pela prefeitura.

A situação foi levada ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) ainda no começo do ano, pois as donas das terras por onde a estrada passou informaram que não foram consultadas sobre a ação. Na semana passada, depois de uma investigação prévia, a promotoria instaurou um Inquérito Civil para acompanhar o caso, já que o governo não conseguiu demonstrar avanço para recuperar os danos causados.

Na época da "descoberta", um boletim de ocorrência foi registrada na Delegacia de Polícia Civil, inclusive com várias imagens da abertura da rua, e um procedimento administrativo também foi aberto junto à administração municipal, solicitando que o poder público apresente documentos que comprovem a autorização da família para a intervenção em seu lote, a notificação e o consentimento para o projeto ou o ato que resultou em desapropriação, bem como a indenização prévia correspondente.

Como resposta aos questionamentos levantados pelas donas e, na sequência pela promotora Carmem Lucia Garcia, a prefeitura afirmou que "constatou-se que a referida estrada já existia no local há mais de 80 anos e que a sua limpeza e conservação foi requerida pelos cidadãos que lá residem". Disse ainda que, "no tocante à supressão da vegetação, a engenheira agrônoma do município (...) referiu ser considerada apropriada a reposição florestal de 120 mudas no entorno da estrada para a reparação do dano e fixação de taludes".

Em contraponto à justificativa da prefeitura, uma das proprietárias fez, ainda em março, a entrega de fotografias comprovando que a "estrada" que havia no local, conforme mencionado pelo município, não era de grande porte, sendo somente uma espécie de trilha para passagem de pessoas e veículos menores (como motocicletas). Pouco tempo depois, em abril, a dona das terras também entregou à promotoria imagens de satélite de 2007 a 2021, comprovando que a área estava preservada até a intervenção da prefeitura.

Pressionada, a prefeitura informou ao MPRS que estava elaborando um Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD), ou seja, reconheceu o erro cometido, que agora exigiria novos investimentos para reparar os danos causados ao meio ambiente. Entretanto, depois de pedir mais um mês de prazo, ainda no começo de maio, a administração municipal não informou mais, de lá para cá, se efetivamente está trabalhando para consertar a falha – diante do duvidoso silêncio, a promotoria decidiu pela instauração do inquérito.