Aparentemente, nem mesmo depois de partirem desta vida algumas pessoas terão condições de descansar em paz sem serem importunadas por golpistas. O mesmo vale para os familiares que ficam e, além da dor da perda, precisam conviver com situações inacreditáveis como as que estão acontecendo nos cemitérios de Bento Gonçalves: ao longo das últimos dias, a prefeitura deu início a uma investigação para identificar um grupo que está, de forma totalmente irregular, desocupando e comercializando espaços nas gavetas públicas – e dando um fim incerto a ossadas de cidadãos que estavam sepultados nestes locais.
A narrativa se tornou ainda mais indignante depois de um flagrante do próprio secretário de Mobilidade Urbana, Marcos Barbosa, cuja pasta é responsável pela Divisão de Cemitérios, que constatou pessoalmente que restos mortais estavam sendo descartados no lixo orgânico, para que as sepulturas fossem "liberadas" ilegalmente. O fato chegou a ser registrado em vídeo, que até o momento não foi divulgado.
A condição se agrava e, inevitavelmente, abre brecha para fraudes, porque há um nítido descontrole por parte da prefeitura com relação ao uso das carneiras, e isso se arrasta há décadas. Os espaços, que deveriam ser utilizados por um determinado período de tempo, e com o pagamento de uma taxa anual relativamente baixa pelas famílias, nunca foram devidamente fiscalizados e, nos últimos anos, essa precariedade veio à tona, com a lotação das carneiras e a falta de identificação dos restos mortais alojados em centenas delas.
Espaços para sepultamentos com preços entre R$ 4 mil e R$ 10 mil
Nos três cemitérios públicos da cidade, indivíduos estavam esvaziando carneiras sem autorização e dando destino ignorado aos restos mortais das famílias. Posteriormente, vendiam as carneiras desocupadas. Os preços variavam entre R$ 4 mil e R$ 10 mil e ganharam mais clientes com o grande número de mortes ocorrido desde o início da pandemia do novo coronavírus em 2020. O grupo criminoso construiu até carneiras sem autorização dentro dos cemitérios e agia com fácil acesso aos túmulos. Há suspeita do envolvimento de cargos em comissão da prefeitura (CCs), pessoas ligadas aos serviços funerários e políticos com poder de decisão no poder público, num esquema de faturamento contínuo que vinha acontecendo, pelo menos desde 2017.
Prefeitura de Bento Gonçalves mantém o assunto em silêncio até o momento
A reportagem do NB Notícias encaminhou uma série de questionamentos à administração a respeito desta situação. Entre as perguntas, estavam indagações sobre o possível envolvimento de servidores públicos (sejam cargos comissionados ou efetivos), há quanto tempo a prática ocorre, se as famílias prejudicadas foram notificadas e, inclusive, onde ocorreu o flagrante do secretário. Quanto a este último tópico, não houve explicação nesse sentido, mas o NB apurou que isso aconteceu no Cemitério Central, no bairro São Francisco – há outros dois cemitérios públicos, no São Roque e no Santo Antão.
Embora as respostas confirmem que o caso realmente é grave, o Poder Público deu um retorno bastante resumido, apontando que, além da abertura de uma sindicância interna, "todas as informações já foram encaminhadas aos órgãos competentes para que os responsáveis sejam identificados e punidos dentro da legislação", como destaca Barbosa.
Os órgãos citados são o Ministério Público e a Polícia Civil. "Por ser um processo para identificação de irregularidades, está em andamento jurídico. Após a conclusão poderemos repassar mais informações", completa o secretário.
Curiosamente, no último dia 15, em publicação no Diário Oficial, a prefeitura exonerou o ocupante do cargo em comissão de Coordenador de Divisão de Administração e Manutenção de Cemitérios. O NB também questionou se essa medida tinha relação com a investigação, mas não houve qualquer confirmação do Executivo bento-gonçalvense.