
A Justiça Federal no Rio Grande do Sul determinou que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda o salário-maternidade a um homem integrante de um casal homoafetivo masculino, após o nascimento de sua filha por meio de gestação por substituição (barriga solidária). A decisão, proferida pela 1ª Vara Federal de Capão da Canoa, representa um marco na proteção previdenciária a novas configurações familiares e reforça a tese de que o benefício não se limita exclusivamente à gestante.
O gerente comercial Jarbas de Bitencourt, de 49 anos, que conquistou o direito, é pai de Antonella, de 1 ano e sete meses. Ela também é filha biológica do fotógrafo Mikael de Bitencourt, 36. Antonella é o primeiro bebê do Sul do país a ter o DNA de dois pais e de barriga solidária.
O pai, que teve o pedido negado administrativamente pelo INSS sob a alegação de que não havia se afastado do trabalho, recorreu à Justiça Federal e viu seu pleito reconhecido pelo juiz federal Oscar Valente Cardoso. A sentença aponta que a negativa administrativa desconsiderou a função social do salário-maternidade, que vai além da proteção física da mãe e abrange a proteção integral da criança e a formação de vínculos familiares nos primeiros meses de vida.
Na decisão, o magistrado entendeu que a legislação previdenciária e a jurisprudência têm evoluído para alcançar as diversas formas de organização familiar, incluindo aquelas formadas por uniões homoafetivas. O juiz destacou que o benefício já é concedido em casos de adoção e deve ser estendido a situações em que um dos pais, ainda que não gestante, necessite dedicar-se integralmente aos cuidados do filho recém-nascido.
O entendimento também se alinha com precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconhecem o direito à licença-maternidade/parentalidade ampliada para mãe não gestante em união homoafetiva, reforçando o princípio da igualdade, da não discriminação e do melhor interesse da criança.
Com a decisão judicial, o INSS foi obrigado a:
Conceder o salário-maternidade pelo período de 120 dias, contados a partir do nascimento da criança;
Pagar as parcelas retroativas, com correção monetária.
A especialista em direito e processo do trabalho, Juliana Mendonça, do escritório Lara Martins Advogados, avalia que o caso pode servir como precedente relevante para juízes e tribunais em outras regiões, diante da crescente utilização de técnicas de reprodução assistida e da necessidade de proteção previdenciária às famílias formadas por casais homoafetivos.
A decisão reforça que o sistema previdenciário deve acompanhar as transformações sociais e reconhecer que os direitos decorrentes da proteção à família — independentemente de sua composição — são pilares da Constituição. A concessão do benefício não se baseia apenas em uma leitura literal da norma, mas na interpretação que leva em conta a finalidade social e protetiva do salário-maternidade, ampliando a proteção à criança e à unidade familiar.
Esse entendimento vem sendo observado não apenas nas decisões judiciais recentes, mas também em temas correlatos envolvendo direitos de pessoas LGBTQIA+, à medida que o Judiciário busca garantir igualdade de tratamento às diversas formas de exercício da parentalidade na sociedade contemporânea.