
A ERS-431, um dos corredores rodoviários mais importantes para o escoamento da produção vitivinícola da Serra Gaúcha e ligação direta entre Bento Gonçalves e o Vale do Taquari, tornou-se símbolo da lentidão do Estado em cumprir promessas. Após a enchente histórica de maio de 2024, que devastou comunidades inteiras, o trecho entre Bento e Santa Tereza permanece caótico, perigoso e praticamente abandonado, apesar dos anúncios de recuperação feitos ainda no ano passado.
A previsão oficial era que as obras começariam em janeiro de 2025. O ano está perto do fim — e nada saiu do papel.
A reportagem do NB Notícias percorreu toda a extensão da ERS-431 até a balsa que leva a São Valentim do Sul. O cenário encontrado é de dezenas de trechos em meia pista, longos segmentos de estrada de chão improvisada e crateras profundas que avançam sobre o acostamento — quando há acostamento.
Buracos se multiplicam a cada curva. Medir quantos existem tornou-se impossível.
“Está ruim demais a rodovia. Tem pelo menos uns três trechos de estrada de chão com muito buraco”, afirma o caminhoneiro Roberto Giuriatti, 33, morador de Santa Tereza, que utiliza o trecho duas a três vezes por semana. Em dias de chuva, o risco aumenta: “Os buracos somem debaixo da água. Aí estoura pneu, quebra suspensão, não tem o que fazer.”
Giuriatti relata que quem conhece a estrada se esquiva como pode. O problema é com motoristas de outras regiões: “Sempre tem alguém parado com pneu furado ou caminhão quebrado.”
O agricultor Júlio Cesar, 72, morador de São Valentim do Sul, resume o sentimento de quem vive na área atingida desde 2023:
“Essa estrada está péssima, não tem mais condições. Tava ruim fazia uns seis anos, depois das enchentes ficou terrível. Quem tem obrigação de cuidar, não cuida. Um empurra para o outro.”
Além da precariedade da rodovia, a rotina inclui ainda a travessia por balsa, necessária desde a queda da ponte sobre o Rio Taquari em setembro de 2023. A reconstrução começou na véspera das eleições, mas a fila de veículos continua sendo parte do cotidiano.
Nos últimos meses, multiplicaram-se as placas de “vende-se”. Não apenas em áreas destruídas. Moradores deixam a região pela falta de perspectivas, ausência de serviços, perda de fluxo e sensação de abandono.
O Daer afirma que trabalha na elaboração e execução de projetos de recuperação e que alguns serviços pontuais já foram concluídos. No entanto, no trajeto percorrido pela reportagem não havia máquinas, operários ou movimentação visível.
A autarquia diz buscar acelerar o processo por meio de contratação integrada, modalidade em que uma mesma empresa executa projeto e obra. Mas admite que a previsão de início agora é entre o fim de 2025 e o início de 2026 — praticamente um ano depois do último prazo anunciado.
O investimento total será de R$ 185 milhões, incluindo os dois lotes de pavimentação e a nova ponte.
Em trechos onde a pista desaparece ou onde crateras surgem ao lado do asfalto, o risco é constante — especialmente à noite, sob chuva ou neblina. Motoristas relatam que, apesar do cenário crítico, nenhum acidente grave foi registrado no trecho mais danificado — um dado que surpreende até as autoridades locais.
“A sinalização até existe, mas é insuficiente para a dimensão do problema”, relatou um morador. Para quem não conhece o caminho, a chance de cair em um buraco profundo ou derrapar na terra solta é real.
Única obra em andamento, a Ponte Santa Bárbara, sobre o Rio Taquari, teve a conclusão dos blocos, das estacas e a concretagem dos pilares na última semana. O investimento é de R$ 31,3 milhões. A nova estrutura será:
1 metro mais alta,
25 metros mais longa,
2,60 metros mais larga,
com acostamento dos dois lados.
Segundo o Daer, a previsão de entrega segue marcada para 2026.
A ERS-431 é mais do que um trecho destruído. É memória, rota de trabalho, ligação vital entre cidades, famílias e economias inteiras da Serra e do Vale. O abandono da rodovia representa o abandono de toda uma região que luta para se reerguer desde as enchentes.
Hoje, quem percorre o trecho vê cicatrizes abertas: casas levadas pelas águas, comércios fechados, áreas isoladas, e um silêncio que contrasta com o antigo movimento de moradores e turistas.
Enquanto as obras não começam, a comunidade segue à espera — e exposta.
O ano termina como começou: com promessas. A estrada, porém, continua a mesma.