Um parecer técnico do Centro de Apoio Operacional Urbanístico (Caourb), anexado ao inquérito civil do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), acendeu um alerta sobre a liberação da construção das cinco torres do empreendimento Jardim Dona Isabel, na divisa dos bairro São Francisco e Licorsul, em Bento Gonçalves. O documento aponta uma série de fragilidades e inconsistências no processo de aprovação do empreendimento e motivou a promotoria a cobrar explicações formais da Prefeitura, por meio do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb). O poder público tem 30 dias para responder aos questionamentos.
Os técnicos do Caourb listaram problemas que vão desde cálculos questionáveis até falhas de transparência:
- Índices construtivos: segundo o parecer, não há confirmação oficial de que a aquisição dos índices seguiu corretamente o cálculo previsto em lei, nem se os valores pagos pelo empreendedor contemplam as áreas excedentes de construção .
- Estudo de Qualidade Espacial (EQE): o projeto havia recebido nota zero na avaliação, o que, pelas regras do Plano Diretor, inviabilizaria a aprovação. Ainda assim, o Complan autorizou a continuidade mediante ajustes pontuais (como a largura da calçada), permitindo que o empreendedor alcançasse escore positivo.
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- Contrapartidas financeiras: os valores aprovados pelo Ipurb (R$ 4,4 milhões) foram muito inferiores aos sugeridos inicialmente pelo Complan (R$ 8,8 milhões). Para o Caourb, não há certeza de que o montante aprovado seja suficiente para custear todas as medidas mitigatórias necessárias .
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- Falta de cronograma: o Termo de Compromisso firmado não estabelece prazos claros para execução das obras compensatórias, apenas para o pagamento financeiro .
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- Altura e recuos: os técnicos apontaram que alguns pavimentos, considerados como subsolos, deveriam entrar na contagem oficial da altura. Isso poderia colocar o projeto em desacordo com o zoneamento vigente. Também houve incongruências na definição dos recuos frontais .
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- Impactos não analisados: o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) não abordou aspectos como insolação, ventilação e conforto térmico. O parecer também considera negativos os impactos sobre densidade populacional, acessibilidade e polarização urbana. Além disso, faltam informações sobre a viabilidade financeira das medidas prometidas .
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- Paisagem e topografia: recomendou-se a revisão dos escores atribuídos a itens como “vistas e percursos”, que poderiam alterar o resultado final do EIV .
O que pede o Ministério Público
Diante das inconsistências, a promotora Carmem Lucia Garcia determinou:
- Pedido formal de esclarecimentos ao Ipurb sobre cálculos de outorga onerosa, definição de altura e recuos, e revisão dos escores do EIV.
- Inclusão de todas as medidas mitigatórias no Termo de Compromisso, não apenas as de caráter financeiro.
- Divulgação pública dos estudos de impacto no site da Prefeitura, em nome da transparência e do controle social.
- Reanálise conjunta com o Complan sobre os impactos e valores de contrapartida.
O prazo dado à Prefeitura é de 30 dias para apresentar resposta. O inquérito, antes sigiloso, foi tornado público diante do interesse coletivo .
Por que essa medida importa?
O caso coloca em debate a relação entre pressões do mercado imobiliário, planejamento urbano e o papel das instituições de controle. A liberação de grandes empreendimentos sem a devida clareza sobre contrapartidas pode gerar sobrecarga no sistema viário, adensamento desordenado e prejuízos irreversíveis à paisagem e qualidade de vida da cidade.
A análise do Caourb mostra que o risco não é apenas técnico, mas também político: a obra avança mesmo diante de evidências de que o projeto não atende, em sua totalidade, as normas do Plano Diretor.