Quando tomou posse no cargo de diretor-geral do campus do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) em Bento Gonçalves, no final de fevereiro, o professor Rodrigo Otávio Câmara Monteiro, sem dúvidas, tinha em mente que estava prestes a enfrentar um grande desafio de gestão para o período 2020-2024. Entretanto, bastaram, naquele momento, apenas duas semanas para que as restrições trazidas pela pandemia da Covid-19, em meados de março, tornassem essa tarefa ainda mais complexa.
De lá para cá, ainda que tenham sido suspensas as atividades presenciais de ensino, o IFRS não deixou de manter a sua postura ativa no município. Com a criação de um comitê interno local, diversas ações foram desencadeadas, como a doação de 50 mil litros de vinho para a transformação em álcool 70%, doado para órgãos da saúde; a entrega de insumos para a confecção de máscaras; a participação na força-tarefa de fabricação de protetores faciais; e a distribuição de cestas básicas para estudantes.
Recentemente, reforçando ainda mais o seu viés voltado à inovação, o campus Bento entregou à prefeitura – após um pedido que partiu da administração municipal – uma plataforma digital para ajudar a impulsionar pequenos negócios que foram afetados pela recessão econômica. Por meio da ferramenta, de forma prática, serão cadastrados produtos e serviços de empreendedores da cidade, que depois poderão ser contatados diretamente pelos seus clientes, através recursos como o WhatsApp. O projeto já foi concluído pelos servidores do Instituto e agora aguarda apenas a aprovação e lançamento por parte do Poder Público bento-gonçalvense. "Muitas dessas pessoas perderam empregos e renda, e agora buscam a sua recolocação no mercado. Nós fomos demandados pela Secretaria de Finanças a criar essa plataforma e demos um retorno rápido. Estamos usando nosso potencial não apenas para a questão do ensino, e sim, fazendo com que nossa expertise no campo da pesquisa e da inovação dê uma resposta técnica a importantes demandas da comunidade", destaca Monteiro.
Auxílio Inclusão Digital
Nesta semana, o IFRS também abriu um novo edital para estudantes que atuam como bolsistas em projetos institucionais e já recebem o Auxílio Estudantil. A chamada tem por objetivo conceder o Auxílio Inclusão Digital, no valor mensal de R$ 80, para ajudar a custear os gastos com dados móveis ou com a aquisição de um plano de internet para acompanhar as aulas virtuais que devem ter início no mês de setembro – ainda sem caráter obrigatório. Os recursos são oriundos do próprio orçamento do IFRS, remanejados de outras áreas ou ações institucionais inviabilizadas durante a pandemia. Nós somos uma instituição federal, pública, que chega onde outras instituições privadas de Bento não chegam. Então, nós temos um compromisso social com pessoas altamente vulneráveis e vamos dar a estrutura mínima para que elas decidam se querem voltar neste momento. Vamos respeitar esse direito dos estudantes de não serem lesados na questão do ensino", completa o diretor.
>>> Em março, o Campus Bento do IFRS destinou 50 mil litros de vinho para a transformação em álcool 70%
Cortes no orçamento
Para além das notícias mais positivas, contudo, o horizonte que se desenha para 2021 não parece ser o mais agradável. Não bastassem todos os obstáculos atuais e os que surgirão durante a retomada, o IFRS já se prepara para um corte de 19,5% no orçamento, que refletirá em todos os 17 núcleos no Estado. Em Bento Gonçalves, os cálculos indicam que o repasse anual de verbas, que ficava em média no montante de R$ 4,7 milhões ao longo dos últimos três anos, deva cair para valores entre R$ 3,5 milhões e R$ 4 milhões. "Já vínhamos com um orçamento que praticamente só dava para fazer o campus rodar, sem conseguir pensar em investimentos. Agora, então, é algo realmente desastroso. Além disso, ano a ano estamos acumulando perdas reais, porque nosso orçamento se manteve em valores absolutos e sequer teve a reposição da inflação, mas todos os contratos terceirizados, como vigilância, limpeza e outros, tiveram aumento", detalha Monteiro.
Para se ter uma ideia, o total de investimentos em 2020 não deverá passar de R$ 190 mil. Enquanto isso, problemas estruturais se acumulam e as melhorias nos mais diferentes espaços do campus não saem do papel. "Estamos falando de uma estrutura antiga, que exige bastante manutenção nas instalações elétricas e hidráulicas, por exemplo. Também temos como uma das prioridades um bloco que precisa ser reestruturado para salas de aula, o que custaria de R$ 250 mil a R$ 300 mil. Há um laboratório no subsolo, que também precisaria ser reformado, assim como a Vinícola Escola e a Estação Experimental, em Tuiuty, onde temos muita coisa a fazer. Até isso se tornar possível, as coisas vão depreciando", aponta.
O drástico enxugamento no orçamento inverte a curva de crescimento que o IFRS experimentou em anos anteriores e, inclusive, contraria os próprios dados locais, sobretudo os que apontam o avanço no quantitativo de estudantes. Hoje, são 1.750 alunos presenciais nos cursos superiores, no médio-técnico e nas especializações, e outros 100 mil inscritos nos cursos on-line de curta duração, que também mobilizam a equipe de trabalho do campus. Em 2014, os recursos destinados a Bento Gonçalves chegaram a beirar os R$ 8 milhões, fazendo com que o orçamento por aluno fosse de R$ 2,8 mil por ano – agora, ficam em R$ 1,5 mil, podendo diminuir ainda mais.
Quando levada em consideração a conta elaborada através da Matriz Orçamentária do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, a Matriz Conif, a diferença é ainda mais gritante. "Em função de vários indicadores, principalmente o de crescimento das matrículas, nosso orçamento deveria ser de R$ 11,5 milhões. Os cursos EAD também devem contar na Matriz Conif, porque eles geram um grande custo administrativo. Alguém precisa fazer essa estrutura rodar. Mas há alguns anos o MEC não tem levado isso em consideração. Eu posso afirmar, por fatos e não por qualquer outra questão política, que nós estamos abandonados pelo MEC. Não tem gestão de educação no país", lamenta Monteiro.
>>> Atualmente, o campus conta com 1.750 alunos presenciais, além de outros 100 mil matriculados em cursos EAD de curta duração
A busca de alternativas para 2021
A principal aposta do campus Bento do IFRS para superar as adversidades de um 2021 que promete ser bastante conturbado está justamente no quadro de pessoal da instituição, formado por 250 servidores, entre professores (efetivos e substitutos) e técnicos administrativos. "Vamos provocar os colegas no sentido de buscar alternativas para superar as questões orçamentárias, inclusive em ações que possam reduzir os custos. Uma destas alternativas são as chamadas das agências de fomento, que podem garantir esse aporte externo para alguns de nossos projetos. O objetivo é estimular constantemente a nossa equipe para, juntamente com a direção, buscar soluções diferenciadas. E temos, aqui em Bento, um quadro muito qualificado, com quase 80% de doutores em suas áreas. Então, a perspectiva é essa: vamos nos unir para não ficar apenas rodando o campus, fazendo o básico, que não é pouco, mas também não é o ideal", finaliza o diretor.