Uma nova resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF) tem gerado debate ao ampliar o total de dias que magistrados federais podem ficar afastados do trabalho ao longo do ano. Com a combinação de folgas extras, licenças compensatórias e os tradicionais 60 dias de férias, o número pode chegar a 202 dias fora do expediente — o equivalente a mais da metade do ano.
Segundo o texto aprovado pelo CJF, juízes que atuarem fora da sua jurisdição — mesmo de forma remota — poderão tirar até oito dias extras de folga por mês, desde que participem de projetos institucionais em outras regiões. Esses dias se somam às licenças compensatórias, já previstas para quem assume o volume de trabalho de colegas ausentes. A cada três dias de atividade extra, o magistrado pode tirar um de folga, com limite de até dez dias mensais.
Na prática, porém, o acúmulo máximo de 18 dias mensais não é viável, já que o número de dias úteis não comporta tal folga. Ainda assim, a estimativa é de que os juízes consigam acumular de 13 a 15 dias de afastamento por mês, além dos dois meses de férias, direito garantido pela Lei Orgânica da Magistratura.
Embora os números indiquem um alto potencial de afastamento, muitos magistrados optam por não usufruir integralmente das folgas. Isso porque as normas permitem a conversão das folgas não gozadas em dinheiro. E como esses valores têm caráter indenizatório, não entram no cálculo do teto constitucional, atualmente fixado em R$ 46,3 mil.
Na prática, isso significa que juízes podem receber além do teto sem infringir a legislação, como aponta a ONG Transparência Brasil. Para a analista Bianca Berti, o foco da regra não é garantir o descanso do servidor, mas criar meios legais para ampliar a remuneração: “Essa multiplicidade de avenidas para acumular folgas não foi pensada estritamente para conceder um justo descanso a servidores sobrecarregados, mas para abrir caminhos para a conversão futura desses períodos de folga em dinheiro”, afirma.
Um relatório da Transparência Brasil, publicado em dezembro de 2024, revela que a licença compensatória custou R$ 819 milhões aos cofres públicos entre julho de 2023 e outubro de 2024. Só na Justiça Federal, R$ 94 milhões foram gastos em 2023 na rubrica “pagamentos retroativos”, que inclui benefícios acumulados ao longo de anos anteriores.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas em 2024, o Judiciário pagou quase R$ 7 bilhões em valores acima do teto. Esses pagamentos incluem indenizações por folgas não usufruídas, verbas retroativas e outros chamados penduricalhos, que também não sofrem desconto de Imposto de Renda.
A falta de padronização nas folhas de pagamento entre os tribunais dificulta o rastreamento exato dos valores. Em alguns casos, o mesmo benefício é classificado de formas diferentes. Houve registros de indenizações de até R$ 30 mil mensais apenas por dias de folga não utilizados.
A nova regra reacende o debate sobre a transparência no uso de recursos públicos e o papel das cortes no controle de seus próprios benefícios. O Judiciário brasileiro, ao permitir a conversão de descanso em pagamento, gera impactos diretos nos gastos do Estado com salários e desafia a discussão sobre equilíbrio entre compensação justa e privilégio institucional.