9°C 23°C
Bento Gonçalves, RS
Publicidade

Crônicas na Bagagem: a jornada de 14 meses pela estrada do autoconhecimento

Depois de passar por nove países e seis estados brasileiros, o casal de jornalistas Carina Furlanetto e João Paulo Mileski regressa a Bento Gonçalves transformado pelas experiências vivenciadas

12/04/2020 às 01h16 Atualizada em 27/04/2020 às 12h11
Por: Marcelo Dargelio Fonte: Jorge Bronzato Jr.
Compartilhe:
Carina Furlanetto - João Paulo Mileski
Carina Furlanetto - João Paulo Mileski

Enquanto você começa a ler este texto, neste domingo de Páscoa, 12 de abril, o casal de jornalistas Carina Furlanetto e João Paulo Mileski, de Bento Gonçalves, percorre os trechos finais de uma aventura que, ao longo dos últimos 14 meses, permitiu que eles rodassem 50 mil quilômetros por países sul-americanos e estados brasileiros, narrando seus passos e sentimentos por meio das redes sociais. O projeto “Crônicas na Bagagem”, criado pelos dois amantes de viagens e contadores de histórias, fará uma pausa em virtude da pandemia do Coronavírus, abreviando o sonho de permanecer ao menos dois anos na estrada e passar por todas as unidades da federação.

Muito enganado está, entretanto, quem pensa que a interrupção forçada da gira pela América do Sul também possa significar que um dos principais objetivos da dupla não tenha sido alcançado. Quando cruzarem novamente a Pipa Pórtico e retornarem à Capital do Vinho, nas próximas horas, eles já não serão os mesmos que partiram naquele 18 de fevereiro de 2019 e, desde então, visitaram Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e uma breve passagem pela Guiana e, no território nacional, além do Rio Grande do Sul, Roraima, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão.

Foi justamente a maior viagem a que se propuseram, a do autoconhecimento, que fez com que eles superassem medos e incertezas de uma maneira que os impactou para sempre. “A gente colocou os nossos limites à prova e viu que pode muito mais do que imagina. Subir o Monte Roraima ou o vulcão Villarica, em Pucón, no Chile, por exemplo, nunca pensamos que poderíamos ter esse tipo de experiência. Mas tudo o que essa viagem vai nos transformar acho que não é agora que vamos conseguir traduzir em palavras, acho que vai passar cinco anos e a gente ainda vai estar assimilando tudo que passou, como a gente não precisa de tanto para viver, como a vida pode ser mais simples, como as pequenas coisas têm valor. Acho que tudo isso são aprendizados que somente ao longo dos anos a gente vai conseguir assimilar”, relata Carina.

Um novo modo de vida
Acomodados em Recife nos últimos dias, na casa da irmã de Carina, o casal tomou a decisão de, enfim, mudar os planos e voltar para casa antes do previsto. Eles já estão no caminho de regresso, a bordo do Renault Sandero 1.0 que, além do meio de transporte, foi e é, em muitas situações, a própria “casa” – é nele que são feitas as refeições e onde os dois dormiram quase um terço das noites, já que a proposta era não pagar por hospedagem mesmo quando não houvesse acolhida através de couchsurfing.

Praças ou postos de combustíveis foram alguns dos refúgios usados para estacionar o veículo nestes casos. “Nos propomos, na verdade, a viver de uma forma diferente daquela que vivíamos, a nos questionarmos. E percebemos que a gente precisa de muito menos do que tinha para viver, para ser feliz. É engraçado porque eu lembro que, antes de sair de casa, a gente olhava para o carro e pensava: ‘caramba, é um espaço muito pequeno para reunir tudo que a gente precisa para viver por dois anos’. E agora, a gente lembra do nosso apartamento e pensa o contrário: ‘quanta coisa a gente tinha que era desnecessária, supérflua’”, avalia João.

A surpresa venezuelana
Se uma inevitável pontinha de frustração surge em meio à obrigação de trilhar a rota de retorno, ela é logo ofuscada pelas conquistas compartilhadas pelos companheiros. Uma delas talvez tenha sido a mais improvável, pois ambos foram desmotivados de levá-la adiante: entrar na Venezuela. A despeito das indicações negativas, eles bancaram o desejo de ingressar no país e foram surpreendidos com a hospitalidade. “A verdade é que 99% das pessoas nos diziam que era muito perigoso, que por sermos jornalistas iríamos sofrer muito. Mas acontece que a gente pensou em viajar para ver o mundo com nossos olhos, então não podíamos desistir. Ficamos cinco dias tentando a permissão especial para entrar, conseguimos e constatamos que era um país completamente diferente daquele que nos venderam. Talvez, só se compare ao Brasil, é um país extremamente acolhedor, extremamente solidário”, conta João.

E foi nas ruas da cidade venezuelana de Maracaibo que eles vivenciaram a simplicidade de um dos momentos mais belos de toda a viagem. “Nós saímos para a rua, acabamos comprando umas empanadas e perguntamos para a senhora que vendia se ela também tinha café. E ela respondeu que não, que o único café que ela tinha era para consumo próprio. Aí, sentamos na calçada e, dois minutos depois, a mesma senhora apareceu com um café para cada um. Ela viu que éramos estrangeiros e poderia ter cobrado dólares por aqueles cafés. Em um país com uma crise social tão profunda, ela não se aproveitou da gente e aquilo nos tocou muito. Mesmo em uma situação assim, as pessoas ainda são muito honestas e sentimentos que estão em falta hoje prevalecem em um momento tão difícil pelo qual a Venezuela está passando”, relembra João.

Como um dos maiores legados, ele evidencia exatamente essa possibilidade de sair da “bolha” em que vivia e ter contato com a solidariedade de muitos desconhecidos pelo caminho, o que o ajudou em processo de retomada do otimismo com relação à sociedade. “Pessoas que não nos conheciam nos ajudaram de muitas formas, inclusive nos dando a chave de casa. Então, eu, sobretudo, recuperei a confiança no ser humano. Não é que o mundo todo seja ruim, os bons são maioria e a gente acabou constatando isso”. Carina complementa: “Cada experiência é única, e a gente sabe que vê sempre um recorte da realidade, então não podemos generalizar. Cada pessoa tem que viajar para encontrar a sua experiência. Tem muitas pessoas que se inspiram em nós, mas a gente sabe que elas podem ter experiências melhores e, em algumas situações, um pouquinho de frustração”.

Destaque nas redes
O “Crônicas na Bagagem” já superou a marca de 83 mil seguidores no Instagram e se tornou inspiração para muitos viajantes, ganhando uma repercussão que não era esperada por seus próprios criadores. “A nossa ideia sempre foi fazer isso para a gente. Gostamos de escrever e queríamos transformar essa experiência em textos. Pensamos que os amigos e a família iam acompanhar e que, no máximo, ia ter umas duas mil pessoas. A gente sabe que nem todo mundo gosta de ler ‘textão’ com reflexões. Não é um texto tão fácil de ser consumido, não é apenas uma legenda para fotos. Mas começou a nos surpreender quando as pessoas não comentavam apenas as imagens, e sim trechos dos textos. Isso nos alegrou muito, porque é uma certeza de que estamos fazendo o que a gente quis fazer, o que gosta de fazer e faz com o coração”, diz Carina. A visibilidade fez com que as entrevistas para jornais, rádios, portais de notícia e canais de televisão se tornassem mais constantes e ampliassem a divulgação do projeto.

Planejamento x Coragem
Encarar uma aventura como a que os dois jornalistas de dedicaram por mais de um ano é um sonho de muita gente, mas que, para a maioria, acaba esbarrando em uma série aspectos pessoais e profissionais. Para aqueles que pensam que o casal fez um planejamento extremamente minucioso do roteiro, é preciso saber que nem tudo foi tão detalhado assim. “Foi um planejamento inconsciente, para uma viagem que acabou acontecendo. Acho que tem que ter coragem, mas também não precisa ter tanta coragem assim. Muitas vezes, a gente deixa de fazer as coisas porque as pessoas dizem que não dá, e não porque é difícil ou impossível”, analisa João.

Por mais que a empreitada já se desenhasse ao longo dos últimos anos, a decisão de partir foi, de certo modo, repentina. A principal meta traçada era se manter dentro dos gastos diários de R$ 100, para eles e o carro. A aposta veia das economias acumuladas ao longo de, praticamente, dez anos. “Até pensamos que essa reserva seria usada para viajar, mas não nesse formato, seria mais para algo de férias. E, quando decidimos ir, vimos que o que a gente tinha guardado nos últimos anos daria para bancar esta aventura. Sobre o resto, a nossa principal questão era alugar o apartamento, que é nossa única fonte de renda, e ter alguém para ficar com o gato. Deixamos para fazer um roteiro uma semana antes de sair de casa, porque a gente estava se sentindo muito errado de partir sem um roteiro. Mas não deu tempo de fazer tudo, então fizemos só para Uruguai, Argentina e Chile. No primeiro mês, já abandonamos o planejamento e, desde então, foi semana a semana”, completa Carina.

A ajuda recebida será usada para ajudar
Durante o trajeto, o Sandero precisou passar por uma manutenção mais completa, que custaria aproximadamente R$ 5 mil. Como o orçamento ficou um pouco acima do previsto, João e Carina criaram uma vaquinha virtual que arrecadou a quantia em poucos dias, com a ajuda de pessoas que acompanhavam a trajetória da dupla. Eles conseguiram, em seguida, que o serviço fosse feito pela metade do custo inicial e, agora, pretendem doar o valor restante para alguma entidade bento-gonçalvense.

A partir de agora
Ainda há muitas experiências inéditas a serem narradas nas redes sociais e, devidamente instalados em Bento, Carina e João também começarão a trabalhar na produção de um livro sobre os mais de 400 dias em que estiveram na estrada. “A gente gostaria muito de conhecer os estados que faltam, incluindo esses que a gente ‘pulou’ para virmos aqui para Recife nos isolarmos nesse período e também os que a gente vai pular para voltar para casa, porque passar por eles não significa conhecer. Mas não sabemos quem seremos quando tudo isso passar, temos muitos outros sonhos, muitos outros planos, a gente vai pensando nisso também ao longo desse período. Parar de viajar a gente não quer, mas a gente não saber ainda como vai ser.  Vamos continuar viajando de alguma forma, talvez não necessariamente com o carro, talvez de mochilão e não por tanto tempo, tudo é uma incógnita. Mas o desejo de conhecer todos os estados do Brasil segue. É difícil de falar em planos agora, mas gostaríamos muito de realizar esse sonho”, finaliza Carina.

No Instagram do “Crônicas na Bagagem”, você pode acompanhar o diário de bordo dos 14 meses em que o casal se manteve na estrada. Por lá, eles seguem interagindo de forma frequente com os seguidores, compartilhando dicas muito interessantes para quem já viaja ou ainda espera por aquele “empurrãozinho” para dar os primeiros passos.

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Bento Gonçalves, RS
11°
Parcialmente nublado

Mín. Máx. 23°

11° Sensação
0.89km/h Vento
91% Umidade
0% (0mm) Chance de chuva
06h46 Nascer do sol
06h03 Pôr do sol
Sáb 24°
Dom 25° 10°
Seg 17° 12°
Ter 20° 13°
Qua 15° 14°
Atualizado às 05h02
Publicidade
Publicidade
Economia
Dólar
R$ 5,24 -0,03%
Euro
R$ 5,58 -0,07%
Peso Argentino
R$ 0,01 +0,43%
Bitcoin
R$ 358,275,78 +1,59%
Ibovespa
124,196,18 pts 0.02%
Publicidade