
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), viajou a Lima, no Peru, no fim de novembro, no mesmo jatinho de empresários e advogados diretamente relacionados ao caso do Banco Master — investigação que, poucos dias depois, ele próprio colocaria sob “sigilo máximo” e retiraria da esfera da Justiça Federal. A coincidência entre a viagem e a atuação processual levantou questionamentos sobre conflito de interesses e a relação entre ministros da Corte e investigados.
A aeronave privada pertencia ao empresário Luiz Oswaldo Pastore, palmeirense e anfitrião do voo, que levou Toffoli, o advogado Augusto Arruda Botelho e outras 12 pessoas para assistir à final da Libertadores, em Lima. O Palmeiras, time de todos os convidados, disputava a decisão contra o Flamengo.
O caso foi revelado por Lauro Jardim, n’O Globo, e confirmado pelo Estadão com um dos passageiros, sob anonimato.
O episódio chamou atenção porque Arruda Botelho é advogado de Luiz Antonio Bull, diretor de compliance do Banco Master e um dos investigados na operação “Compliance Zero”. Bull foi preso e hoje cumpre liberdade provisória com tornozeleira eletrônica.
Quando os três embarcaram rumo ao Peru, o processo ainda não estava no gabinete de Toffoli — a distribuição seria feita horas depois, por sorteio, na noite de 28 de novembro.
Três dias após retornar da viagem, Toffoli:
impôs o sigilo máximo ao processo;
puxou para o STF todos os elementos da investigação;
determinou que todas as novas ações e medidas investigativas passassem a ser previamente submetidas a ele;
atendeu a um recurso de Arruda Botelho, dando acesso às provas já colhidas pela Polícia Federal que interessavam à defesa de Bull.
A postura concentradora fez com que o ministro se tornasse, na prática, o “guardião” do caso que envolve o banco, seu proprietário Daniel Vorcaro, e outros executivos da instituição.
A investigação teve início após a PF apreender, em endereço ligado a Vorcaro, um envelope com o nome do deputado João Carlos Bacelar (PL-BA). Por envolver parlamentar, o processo foi enviado ao STF.
Embora investigadores afirmem não haver indícios robustos que justifiquem a manutenção do caso na Suprema Corte, Toffoli decidiu permanecer com ele — decisão que gerou estranhamento entre delegados e procuradores que acompanham o inquérito.
Segundo integrantes da PF ouvidos reservadamente pela imprensa, as suspeitas sobre o negócio imobiliário citado pelo deputado Bacelar não justificariam a migração da investigação para o Supremo.
Ainda assim, por determinação de Toffoli, a 10ª Vara Federal de Brasília:
suspendeu o andamento da investigação;
enviou todas as decisões anteriores (como quebras de sigilo e bloqueios de bens) para o STF;
interrompeu a autonomia investigativa da primeira instância.
A sequência de decisões reforçou a percepção de que o ministro blindou o processo.
Juristas avaliam que a presença de Arruda Botelho — advogado de um dos investigados — no mesmo voo que Toffoli, dias antes de decisões cruciais, provoca ao menos uma aparência de conflito de interesses.
Em conversas reservadas, advogados criminalistas chegaram a dizer que o episódio pode, paradoxalmente, beneficiar Botelho. Como afirmou um deles:
“Para futuros clientes enrolados, ele mostrou proximidade, real ou não, com um ministro do Supremo. É um chamariz poderoso.”
A proximidade informal entre ministros e advogados de partes interessadas — comum nos bastidores de Brasília, mas raramente exposta publicamente — reacende o debate sobre transparência, limites éticos e a necessidade de regras claras para interação entre membros do Judiciário e profissionais que atuam perante a Corte.
Com a imposição de sigilo máximo, nenhum detalhamento oficial é divulgado sobre o conteúdo da investigação.
O Banco Master, alvo central do caso, está envolvido em suspeitas de fraudes financeiras, movimentações irregulares e possíveis crimes contra o sistema bancário.
Enquanto isso, as decisões de Toffoli mantêm:
o processo longe da Justiça Federal;
o controle completo dos autos em seu gabinete;
a publicidade restrita até mesmo para membros do Ministério Público e da PF.
A viagem, o sigilo, a escolha do relator e a atuação posterior do ministro transformaram o episódio em mais um capítulo de opacidade e questionamentos éticos envolvendo a cúpula do Judiciário brasileiro.