As perdas de parentes e amigos – causadas pelo Coronavírus ou não somente por ele – geram sentimentos que não podem ser comparados entre si. As dores de determinados círculos familiares e sociais são únicas e pertencem a experiências particulares que não podem sem confrontadas com outras. Entretanto, há algumas histórias que se sobressaem pela forma como são narradas pelo tempo e, enfim, pela maneira com que marcam a comunidade onde elas acontecem.

Uma destas narrativas incomuns é recente, e causou uma grande comoção em Bento Gonçalves: os falecimentos de Fausto de Souza Michelin, de 76 anos, e de Carme Teresinha Capitanio Michelin, de 73, que ocorreram com diferença de apenas um dia. Embora já estivessem separados como casal há vários anos, os dois encerraram seus ciclos vivendo juntos em uma casa de repouso da cidade. Deixaram os filhos Alexandre e Marcos Michelin.

Fausto morreu na quarta-feira, dia 22; Carme partiu nesta quinta, 23. Ambos tiveram a sua condição de saúde, que já era bastante delicada, agravada pela Covid-19. Ele enfrentou uma sequência de três acidentes vasculares cerebrais (AVC) que o debilitaram. Ela, antes disso, havia sido diagnosticada com uma doença degenerativa do cérebro.

Lembranças dos amigos
A voz com que embalou muitos romances em Bento é um dos legados mais marcantes deixados por Fausto. Grande parte desta trajetória, do começo dos anos 1960 até o final da década de 1980, foi conduzindo os pianos do conjunto musical Arpège, um dos mais conhecidos entre os grupos que animavam os bailes nos clubes da Capital do Vinho.

Quem estava lá, ao lado de Fausto quando o Arpège tocou os primeiros acordes, era músico bento-gonçalvense Beto Valduga, um dos fundadores do conjunto. "Ele era como um irmão para mim, que eu conheci quando tinha uns 10 anos e a família veio de São Paulo para cá. Foram mais de 60 anos de amizade, até o fim. É triste, mas agora ele pode descansar, porque realmente não estava bem", diz Valduga.

Entre as lembranças da dupla, também está o registro original do Hino de Bento Gonçalves, no final da década de 1960, ao qual Fausto emprestou seu talento musical. "Na época da primeira gravação, o Arpège acompanhou o Coral Bento-Gonçalvense e o Fausto cantou em uma parte que é só dele. Há alguns anos, fizemos um novo arranjo para o hino e ele novamente estava lá. E, de novo, ficou muito bom", recorda.

Carme dedicou sua vida à área da educação. Professora de Língua Portuguesa, lecionou inicialmente por alguns anos e depois passou a trabalhar na então Delegacia de Ensino (transformada em 16ª Coordenadoria Regional de Educação), onde permaneceu até a sua aposentadoria.

Eliana Casagrande Lorenzini relembra com carinho da amiga que faleceu nesta semana. "Nos conhecíamos desde a adolescência, saímos juntas naquela época. Ela, incluisve, começou a namorar o Fausto em uma reunião dançante que fizemos na minha casa. Depois eles foram padrinhos de batismo da nossa filha Giovana, e sempre fomos muito próximos. E eles, mesmo separados, continuavam amigos", conta. Em uma postagem no Facebook, ela também lembrou dos bons momentos mais recentes compartilhados com a "comadre" na  Associação de Mulheres Amigas do Vinho da Serra Gaúcha (Amavi).

A despedida, ainda que inevitavelmente triste, também representou um desfecho justo de uma caminhada marcada pelo companheirismo. "Eles se casaram, se separaram e, no final da história, acabaram ficando juntos mais uma vez. Não tem como explicar, é uma coisa do destino", finaliza Eliana.