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Lição de vida: homem luta para vencer câncer enquanto cuida de sua mulher acamada
Rogério Paulino dos Santos, o Rogerinho, teve que lutar contra três tumores ao mesmo tempo, enquanto cuidava integralmente de sua mulher, a qual sofreu um aneurisma. Uma segunda batalha, travada contra a burocracia e pelos direitos de sua amada, também teve final feliz.
14/06/2023 14h34 Atualizada há 2 anos
Por: Kevin Sganzerla Fonte: NB Notícias
Foto: Kévin Sganzerla

Um largo sorriso no rosto, uma fala orgulhosa e lágrimas sinceras traduzem anos de muita luta e superação. Rogério Paulino dos Santos, mais conhecido como Rogerinho, de 54 anos, morador do bairro Cohab e eletricista da prefeitura há 35 anos, tornou-se um exemplo de vida em Bento Gonçalves. Ele venceu o câncer, sendo cometido por três tumores ao mesmo tempo, e ainda conseguiu guardar forças para cuidar de sua mulher, Alessandra da Rocha, a qual sofreu um aneurisma cerebral e que passou a necessitar de cuidados integrais.  

Em 2019, Rogério foi diagnosticado com três tumores em lugares diferentes do corpo, o que exigiu um tratamento intensivo contra a doença. Se lutar contra um câncer já é desafiador para qualquer ser humano, vencer três tumores poderia ser descrito como um “milagre”. Com a imunoterapia, Rogério conseguiu, aos poucos, recuperar-se, sobretudo graças ao apoio das pessoas. 

Porém, em meio a esse processo, sua mulher sofreu um aneurisma cerebral. Com as poucas forças que restavam por conta do tratamento, Rogério não mediu esforços para fazer o possível e o impossível para salvar Alessandra. 

“Ela baixou o hospital, teve convulsões, fiz todo acompanhamento, mas ela não tinha mais volta. Na época negaram atendimento para ela, pois na concepção dos médios ela não iria resistir de qualquer forma. No entanto, consegui, por meio do secretário da saúde e hoje prefeito de Bento, Diogo Siqueira, com que ela fosse atendida em Caxias do Sul. O SAMU disponibilizou uma ambulância para levá-la”, relata. 

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Alessandra ficou internada durante seis meses no Hospital Pompéia, sendo quatro meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Conforme Rogério, ela passou por 13 cirurgias na cabeça por conta de diversas complicações e foi entubada seis vezes. “Cada vez que ela entrava no bloco cirúrgico, os médicos diziam que ela não ia sair viva, mas ela está aqui para provar que é possível”, comenta Rogério. 

Foto: Divulgação

Durante o período de seis meses, Rogério teve que reunir forças para conseguir cuidá-la no hospital, em Caxias do Sul, enquanto realizada o tratamento contra os tumores. “Saia das minhas quimioterapias para cuidar dela. Parava no pedágio entre Bento e Caxias para vomitar, pois as quimioterapias te detonam. É uma coisa que só quem passa entende”, explica. 

Com Rogério em pleno tratamento contra o câncer e Alessandra acamada por conta do aneurisma e com 50% do cérebro, alimentando-se exclusivamente por sonda gástrica, e ainda necessitando cuidar de seus filhos, na época, de um ano e sete meses e de uma adolescente, eles se mudaram para a casa da mãe de Rogério, onde vivem até hoje. 

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Uma nova luta:

Diante da situação na qual Alessandra se encontrava, Rogério teve que travar uma nova batalha ao passo em que se recuperava dos tumores: a busca pelos direitos de sua mulher. Através da prefeitura, a família conta com apoio em medicamentos, fraldas, dieta, além de ter prioridade em exames. 

No entanto, atendimentos de nutrição, fonoaudióloga e fisioterapia tiveram que ser obtidos por meio de muita insistência. “Tive muitas dificuldades, pois ela precisaria de fisioterapia, nutricionista e fonoaudióloga constante. Tentei por intermédio do município, da defensoria pública, da justiça e não conseguia. Depois de quatro anos de muita luta conseguimos um ‘home care’ que é pago pelo poder público”, relata Rogério, que complementa:

“Não conseguia cuidar da minha mulher da melhor forma por conta do tratamento, e quando uma pessoa fica doente e acamada, quem fica próximo dela são só os mais próximos mesmo. Uma pessoa acamada requer cuidados especiais”, detalha. 

Conforme Rogério, Alessandra teve negativas de assistência por muitos anos antes de conseguir os atendimentos que lhe são por direito. Ele relata que no laudo que constou a negativa de auxílio houve diversos equívocos, como o fato de terem citado a residência como propriedade da mãe de Alessandra, a qual já havia falecido, bem como seu pai, em 2019. Além disso, no laudo, não foi citada a situação de saúde de Rogério. Ele se viu obrigado entrar com uma jurisprudência para a liberação da assistência. 

Após muito suor derramado por conta da burocracia que envolve o serviço público, hoje Alessandra conta com assistência diária e com atendimentos que a ajudam a melhorar e oferecer uma qualidade de vida. “O psicólogo é abalado quando a pessoa está doente e ela não sabe nem o que fazer e acaba morrendo, pois não é assistido. Infelizmente ocorre com muitas pessoas. Agora ela está bem cuidada, bem assistida, tento proporcionar a ela os melhores cuidados possíveis, não deixo faltar nada, pelo menos qualidade de vida que é muito importante para uma pessoa acamada”, comenta. 

Um exemplo de vida:

Diante do que passou durante esses últimos anos no combate contra o câncer, na busca por fazer o melhor para a sua mulher e pela luta pelos seus direitos, nunca a abandonando, Rogério se tornou um exemplo nos mais diversos âmbitos, porém, sobretudo, em como levar a vida de forma leve, dando importância a quem está ao seu lado. 

“Se tem algum parente passando por alguma enfermidade, saia da zona de conforto, vai lá visitar ele, dar um abraço nele. O que mais te adoece não é a doença, é a depressão que tu passas e você se sente isolado e abandonado.  A pessoa não quer o seu dinheiro, quer que você o escute. Fique um momento sentado e só escute a pessoa. Se você está realmente preocupado com a pessoa, vai lá dar um abraço nela, esteja do lado. Eu passei por isso na carne, você entra em depressão, e só estou vivo porque minha mulher não me deixou morrer pelas minhas próprias mãos”, pondera Rogério. 

Com base na sua história de vida, muitas pessoas passaram a se espelhar em sua vida para não desistir dos desafios pela frente e, sobretudo, dar valor ao que verdadeiramente importa dentro de cada um. Além disso, Rogério auxilia pessoas que também buscam os seus direitos, ajudando a conhecer os caminhos para que sejam devidamente assistidos. Em casos semelhantes, pessoas utilizam do exemplo de Rogério como jurisprudência para ganhar causas na justiça com relação à assistência. 

Desta forma, por meio de sua trajetória de vida vencedora, ao lutar bravamente contra o câncer e pelos direitos e cuidados de sua mulher, Rogério salvou muitas vidas, mais do que ele imagina, proporcionando mudanças de perspectiva de vida das pessoas com quem teve contato, bem como se tornando um exemplo para que outros pudessem encontrar os caminhos para os seus direitos em meio aos meandros burocráticos que envolvem a saúde pública.