Viver Bem Redes sociais
Brasileiros não conseguem mais fazer fotos e vídeos sem filtro
Ao misturar real e virtual, recursos digitais revolucionaram ideais estéticos e provocaram uma corrida de famosos e anônimos atrás de uma perfeição que não existe.
06/03/2022 14h37
Por: Marcelo Dargelio Fonte: Jornal O Globo
Recurso dos filtros deixam algumas pessoas irreconhecíveis nas redes sociais

Mais do que entrar em nossas vidas, os filtros se tornaram parte dela. Democráticos, são usados tanto por famosos quanto por reles mortais. Nascida na era das redes, a geração atual é a mais atingida pelo fenômeno. Em alusão à primeira rede social que popularizou os filtros, os médicos cunharam a expressão “disformia do Snapchat” para descrever os jovens que não conseguem mais se reconhecer sem retoques digitais. Não à toa, os profissionais da saúde se preocupam com o crescente número de procedimentos estéticos para imitar os seus efeitos.

Com um celular na mão, qualquer um pode personalizar seu tão sonhado visual, eliminando manchas e olheiras, clareando os olhos e dentes, alongando os cílios ou deixando a pele mais sedosa. É um constante “a gente pode chegar lá” (se contar com a edição certa). Isso, claro, ajuda a normalizar a cultura dos retoques — seja na foto da rede social, seja na mesa de cirurgia. Por essas e outras, a busca pela palavra “rinoplastia” explodiu em 2020. Até a diva pop Anitta revelou que já fez procedimentos estéticos para ficar mais parecida... com a sua própria imagem nos filtros.

Com quase um milhão de seguidores no Instagram, o produtor de filtros Igor Saringer se notabilizou ao ter seu trabalho postado por famosos. Assim que são adotadas por alguma celebridade (que raramente paga pelo produto), as suas criações viralizam e passam a ser usadas por milhões de pessoas. Com a divulgação, o criador ganha convites para projetos publicitários e encomendas de filtros personalizados para pessoas físicas. Nesse último quesito, conta ele, os mais pedidos são mesmo os de beleza, em geral para retocar a pele (“o efeito blur, sabe?”) ou de maquiagem (“às vezes leve, às vezes não”).

Beleza natural

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Atriz Debora Secco é uma das entusiastas que aderiram ao movimento #nofilter

 

Em outra direção, celebridades como Taís Araújo, Débora Secco, Mariana Goldfarb, Paolla Oliveira e Preta Gil aderiram ao movimento #nofilter, barrando as ferramentas de suas publicações. Na Noruega, uma lei criada no ano passado chega a exigir que influenciadores informem sobre as edições quando usam fotos retocadas. — Dá para ser uma pessoa pública sem ter que se mostrar perfeita — diz a modelo Raissa Santana, miss Brasil 2016. — Não exagerar nos filtros nos ajuda a se conectar com quem está ali do outro lado. E é bom para a saúde mental. O importante é a gente entender por que está usando um filtro, e usar quando se sente confortável, não por obrigação.

Fundadora do Movimento #CorpoLivre, que atua pela liberdade em relação aos padrões de beleza, a jornalista Alexandra Gurgel lembra que tudo é transitório. E vê uma tendência à “desplastificação” das celebridades, uma volta a um suposto natural. — Até influencers que tanto promoveram um padrão de beleza irreal, como a Gabriela Pugliese e as Kardashians, estão reduzindo o uso de modificações porque agora acham que não combinam mais com elas — diz a autora de livros como “Comece a se amar” (2021). — Aí você faz cirurgia para ficar igual ao corpo da moda, mas o que acontece se o corpo da moda muda em seguida?

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