Mais do que um lugar para viver, Bento Gonçalves vem se consolidando como um lugar para empreender. Dados recentes mostram que os microempreendedores individuais (MEIs) já representam mais de um quarto da mão de obra formal do município, um fenômeno que ajuda a explicar o desempenho econômico acima da média estadual e reforça a histórica veia empreendedora da Capital do Vinho.
Em setembro de 2025, Bento Gonçalves alcançou o maior número de empregos formais de sua série histórica, com 51.067 trabalhadores. Desse total, 26,6% atuam como microempreendedores individuais, segundo o Boletim do Observatório Econômico (Oecon), elaborado pelo Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG).
O crescimento não é pontual. Apenas entre janeiro e setembro de 2025, foram 513 novos MEIs abertos no município. Na comparação com os últimos cinco anos, o avanço chega a 58,1%, um salto considerado expressivo mesmo em um cenário econômico nacional marcado por instabilidades.
Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e sub-reitor do Campus Universitário da Região dos Vinhedos, Fabiano Larentis, o fenômeno é multifatorial.
“Existe o que chamamos de pejotização, que envolve a formalização de situações antes informais, com menos burocracia. Mas também há a busca consciente por empreender, seja por maior flexibilidade, seja por necessidade, após uma demissão, por exemplo”, explica.
Segundo ele, a evolução do número de MEIs acompanha o próprio crescimento da economia local. “Se somarmos empregos formais e MEIs, em 2019 apenas 14% eram microempreendedores. Em 2025, esse percentual chegou a 21%, mostrando que ambos têm crescido de forma semelhante para atender à demanda do mercado de trabalho”, analisa.
Outro fator que ajuda a explicar o avanço dos microempreendedores é a forte atração populacional exercida por Bento Gonçalves. Dados do IBGE indicam que 22.076 pessoas vivem na cidade há pelo menos nove anos sem terem nascido no município — o equivalente a 18% da população total.
Desse contingente, 67% vieram de outros municípios do Rio Grande do Sul e 33% de outros estados ou do exterior, reforçando o papel da cidade como polo regional de oportunidades. Muitos desses trabalhadores encontram no MEI uma porta de entrada rápida no mercado, especialmente em setores como serviços, construção civil, indústria e comércio.
Com os números de setembro, Bento Gonçalves alcançou o 8º melhor desempenho em geração de empregos no Rio Grande do Sul em 2025, mesmo sendo apenas o 16º município mais populoso do Estado.
No ranking setorial estadual, o município ocupa:
6ª posição na construção civil
7ª posição na indústria
12ª em serviços
18ª no comércio
36ª na agropecuária
O avanço da indústria e da construção chama atenção e ajuda a explicar a forte demanda por prestadores de serviços autônomos e terceirizados.
Contrariando a narrativa de desinteresse das novas gerações pelo trabalho, Bento Gonçalves também registrou avanço na inserção de jovens no mercado formal. Dados da RAIS indicam que, em 2024, havia 1.185 jovens com até 17 anos trabalhando como aprendizes ou estagiários — um aumento de 10,9% em relação a 2023.
Nos últimos dois anos, o crescimento chega a 13,28%, com remuneração média que pode ultrapassar R$ 2.200 mensais, especialmente em programas de aprendizagem industrial.
Para muitos, empreender é uma escolha estratégica. É o caso da esteticista e cosmetóloga Denise Rodrigues, de 32 anos, MEI há dois anos em Bento Gonçalves. “As empresas me propuseram atuar como terceirizada. Aceitei porque era quase o dobro do salário como CLT”, relata.
Segundo Denise, o setor de estética vive um momento de forte expansão. “Muitos profissionais atuam em mais de um lugar. Clínicas e salões funcionam quase todos com MEIs”, explica. Apesar disso, ela reconhece os desafios: “Não voltaria a ser CLT hoje, mas é preciso se organizar, pagar impostos, pensar em aposentadoria e ter reserva financeira”.
Apesar do crescimento, pesquisas nacionais mostram uma ambivalência. Levantamento encomendado pela CUT indica que, embora 53,4% dos brasileiros acreditem que o empreendedorismo é preferido, 56% dos autônomos que já foram CLT afirmam que voltariam à carteira assinada, caso pudessem.
Questões como aposentadoria, estabilidade e proteção social seguem como pontos sensíveis. No caso do MEI, a contribuição mensal — equivalente a 5% do salário-mínimo — garante benefícios previdenciários básicos, mas exige complementação para quem deseja uma aposentadoria maior.
A abertura de um MEI é gratuita e o custo mensal varia entre R$ 75,60 e R$ 175,44, dependendo da atividade. Para muitos bento-gonçalvenses, esse modelo representa um primeiro passo ou um recomeço, alinhado à tradição de trabalho, inovação e autonomia que molda a identidade econômica da cidade.
Em Bento Gonçalves, o crescimento dos microempreendedores não é apenas estatística — é reflexo de uma cultura que transforma oportunidades em negócio e trabalho em desenvolvimento.