A retomada das atividades no Congresso Nacional após o recesso parlamentar foi marcada, nesta terça-feira (5), por um episódio inédito: deputados e senadores da oposição, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocuparam as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, utilizando fitas adesivas na boca como sinal de protesto, e obstruíram os trabalhos legislativos. A ação foi uma reação direta à prisão domiciliar de Bolsonaro, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A mobilização visou pressionar pela votação da anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, além do impeachment de Moraes e do fim do foro privilegiado. O movimento, que envolveu cerca de 40 parlamentares, gerou uma crise entre Legislativo e Judiciário e obrigou os presidentes das Casas a cancelarem as sessões plenárias.
O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União-AP), classificou o ato como um "exercício arbitrário das próprias razões" e criticou duramente a ocupação das tribunas. “A ocupação das Mesas Diretoras das Casas, que inviabilize o seu funcionamento, constitui exercício arbitrário das próprias razões, algo inusitado e alheio aos princípios democráticos”, declarou Alcolumbre em nota oficial.
Ele anunciou que convocará uma reunião de líderes partidários para restabelecer a normalidade institucional na manhã desta quarta-feira, 6 de agosto.
Na Câmara dos Deputados, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) também suspendeu as sessões e convocou reunião com os líderes para esta quarta-feira (6). Em nota, Motta afirmou que o Parlamento deve ser a ponte para o entendimento e defendeu que as pautas da Casa sejam conduzidas com base no “diálogo e no respeito institucional”. “Determinei o encerramento da sessão do dia de hoje e amanhã chamarei reunião de líderes para tratar da pauta”, escreveu Motta em publicação nas redes sociais.
Entre os principais articuladores da ação está o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que defendeu a aprovação da anistia aos réus do 8 de janeiro, a tramitação de pedidos de impeachment contra Moraes e o fim do foro privilegiado. Segundo ele, a oposição só aceitará a realização de sessões deliberativas se essas pautas forem colocadas em votação. “Basta o presidente Alcolumbre não continuar com o seguro que faz a Moraes. Já passou da hora de o Senado fazer sua parte”, afirmou Flávio, criticando a postura do presidente do Senado.
O protesto escancarou o isolamento da oposição no Congresso. Líderes de partidos do centro e da base governista reagiram negativamente. Para Isnaldo Bulhões (MDB-AL), líder do MDB na Câmara, “não há chance de as pautas da oposição avançarem com esse tipo de pressão”. Já o deputado Mario Heringer (PDT-MG) classificou a estratégia como "totalmente fora da realidade".
Parlamentares do PSD, PT e demais partidos do centro também indicaram que a ação não deverá surtir efeito prático, especialmente por se tratar de uma semana considerada esvaziada, com poucas votações relevantes previstas.
Apesar do descrédito em relação às demandas bolsonaristas, a obstrução preocupa o Planalto. O governo Lula pretende aprovar, nas próximas semanas, pautas prioritárias como a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, a PEC da Segurança Pública, que amplia os poderes da União, e medidas provisórias que impactam diretamente o orçamento e a saúde pública.
“Precisamos retomar os trabalhos com respeito, civilidade e diálogo, para que o Congresso siga cumprindo sua missão em favor do Brasil e da nossa população”, escreveu o presidente do Senado, que prometeu “agir com serenidade” para restaurar o funcionamento do Legislativo.
A crise escancara as fissuras institucionais e a tentativa da oposição de utilizar o Congresso como campo de batalha política em defesa de Jair Bolsonaro. A estratégia, contudo, parece encontrar resistência tanto na cúpula legislativa quanto entre os principais partidos do centro. Resta saber se o protesto será apenas um ruído momentâneo ou se marca o início de uma nova escalada de tensões entre os poderes.