Um estudo desenvolvido pela consultoria socioambiental Tewá 225, de São Paulo, apontou Bento Gonçalves como uma das cidades com piores indicadores de igualdade de gênero no Brasil. A pesquisa, que ranqueou 319 municípios com base nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, foi divulgada nesta semana e considera dados públicos compilados no Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades (IDSC).
No ranking, Bento Gonçalves ocupa a 220ª posição, com nota 37,63, sendo enquadrada na faixa de avaliação “muito baixa” — a pior entre as cinco faixas do índice. A diretora técnica da Tewá 225, Fernanda Mallak, explica que o cenário visto na Serra não é um caso isolado. De acordo com ela, 84% dos municípios avaliados no estudo também foram classificados como “muito baixos” em igualdade de gênero. “É um cenário complexo. Mostra que a questão de gênero precisa ser enfrentada com urgência, até porque a composição populacional dessas cidades é predominantemente feminina. A média de mulheres nessas cidades é de 52%”, afirma Fernanda.
Entre os principais fatores que influenciaram a posição de Bento está a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Segundo os dados analisados, as mulheres que trabalham no município recebem, em média, apenas 75% dos salários dos homens. O parâmetro ideal para uma avaliação positiva é de pelo menos 85% de paridade.
Outro ponto negativo foi a baixa representatividade feminina na Câmara de Vereadores. No período analisado (2020 a 2024), nenhuma mulher ocupava cadeira no legislativo municipal. Atualmente, há duas vereadoras em Bento, o que corresponde a 11,77% de presença feminina, ainda distante da meta de 30% estabelecida para uma boa pontuação.
O número de feminicídios também impactou negativamente a nota do município. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública do RS, dois casos de feminicídio foram registrados em Bento Gonçalves em 2023. Pela metodologia do estudo, cidades com mais de 100 mil habitantes que registram três feminicídios têm nota zerada nesse quesito. Com dois crimes, a cidade teve pontuação muito baixa também nesse item.
A Tewá 225 utilizou como base o IDSC, ferramenta que mede o desempenho de cidades brasileiras nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU em 2015. Para este levantamento, foram considerados cinco indicadores específicos ligados à igualdade de gênero:
Mulheres jovens de 15 a 24 anos que não estudam nem trabalham
Presença de vereadoras na Câmara Municipal
Desigualdade salarial por sexo
Diferença percentual entre jovens mulheres e homens que não trabalham e nem estudam
Taxa de feminicídio
Cada indicador recebe uma nota de 0 a 100, classificada em cinco faixas:
Muito alto: 80 a 100 pontos
Alto: 60 a 79,99 pontos
Médio: 50 a 59,99 pontos
Baixo: 40 a 49,99 pontos
Muito baixo: 0 a 39,99 pontos
Dos cinco indicadores avaliados, apenas um obteve nota muito alta em Bento Gonçalves: o de mulheres jovens que não estudam nem trabalham, mostrando que o município tem bons índices de inserção dessa faixa etária no sistema educacional ou no mercado de trabalho.
Porém, os outros quatro fatores — salário, participação política, desigualdade entre jovens e feminicídios — apresentaram desempenho entre muito baixo, baixo e médio, o que resultou na nota final de 37,63.
Embora a colocação de Bento Gonçalves cause preocupação local, a diretora da Tewá 225 destaca que nenhuma cidade brasileira atingiu patamar considerado satisfatório na igualdade de gênero. O levantamento é apoiado por entidades como a Unesco, ONU Mulheres e o Instituto Votorantim, e pretende ser um ponto de partida para a formulação de políticas públicas mais inclusivas e ações afirmativas voltadas às mulheres.
“A desigualdade é estrutural, mas pode e deve ser combatida com dados, investimento e comprometimento. O primeiro passo é reconhecer que ela existe”, afirma Fernanda Mallek.