STJ autoriza inclusão de gênero neutro em registro civil e abre precedente histórico no Brasil
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizou, de forma inédita, a inclusão do gênero neutro na certidão de nascimento de uma pessoa que não se identifica como homem nem mulher. A decisão foi tomada pela Terceira Turma do STJ, durante julgamento realizado nesta terça-feira, 6 de maio, e marca um importante avanço no reconhecimento da identidade de gênero no Brasil.
A autorização é válida para um caso específico, de uma pessoa que anteriormente havia solicitado a alteração de gênero para masculino após realizar tratamento hormonal, mas que, mais tarde, se arrependeu da mudança por não se identificar com nenhuma das categorias binárias. Diante disso, recorreu ao STJ para modificar o registro civil para o gênero neutro, direito agora reconhecido.
O gênero neutro se refere à identidade de pessoas que não se reconhecem exclusivamente como homem ou mulher. Também chamado de não-binário, o termo representa uma vivência de gênero fora das normas tradicionais. Pessoas com identidade de gênero neutro podem adotar pronomes como "elu/delu", em vez de "ele/dele" ou "ela/dela", e buscam que documentos oficiais reflitam sua real forma de se identificar socialmente.
O processo corre em segredo de Justiça, mas durante o julgamento, a ministra Nancy Andrighi destacou a complexidade da situação da parte autora: "Esse ser humano deve estar sofrendo muito. Sofrer cirurgia, tomar hormônios, converter-se naquilo que seria bom para ela e depois se deu conta que não era também aquilo [que pensava]."
A ministra Daniela Teixeira, que também votou favoravelmente à alteração, reforçou a importância da autoidentificação de gênero no direito à dignidade humana: “A pessoa trans precisa e merece ser protegida pela sociedade e pelo Judiciário. Dar a elas o direito à autoidentificação é garantir o mínimo de segurança.”
A decisão do STJ abre um importante precedente para o reconhecimento legal do gênero neutro no Brasil, ainda que não configure regra geral imediata. Até então, não havia jurisprudência no país que permitisse a inclusão de um marcador de gênero não-binário em registros civis. A tendência é que essa decisão influencie futuras demandas judiciais e contribua para a construção de uma jurisprudência inclusiva, alinhada aos direitos humanos e à diversidade de identidades.
Especialistas apontam que o julgamento pode embasar ações semelhantes em outras instâncias da Justiça, servindo como referência para políticas públicas, decisões administrativas e regulamentações sobre o tema em cartórios e órgãos governamentais.